Como doar: Porque a caridade deve começar no laboratório

Por Caroline Fiennes (Giving Evidence)

Testar caridade

Devemos testar a caridade? (Arte digital: José Oliveira | Fotografia: Pixabay)

Nem todas as instituições de caridade são boas causas. Isto pode parecer surpreendente, porque estamos acostumados a pensar em todas elas como sendo virtuosas de alguma forma, mas elas variam em sua eficácia. Doadores inteligentes sabem que boas intenções não são suficientes.

Tomemos, por exemplo, o importante objetivo de reduzir os casos de diarreia no Quênia — uma das principais causas de mortalidade infantil. Uma solução é fornecer cloro nas bombas de extracção de água para as pessoas adicionarem à sua água quando forem coletá-la. Outra é a entrega de cloro ao domicílio de modo que as pessoas possam adicioná-lo aí.

Ambas parecem bastante sensatas, mas os pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts descobriram que o fornecimento de cloro na fonte de água impede mais que o dobro de casos de diarreia com uma mesma soma de dinheiro. Dito de outra forma, muitas crianças vão ter uma doença potencialmente fatal se os doadores fizerem a escolha errada sobre qual programa financiar.

Descobrir quais programas são bons e quais são simplesmente medíocres é obviamente importante. Isso depende da recolha de provas científicas sólidas — aplicando a ciência aos problemas que estamos a tentar resolver.

Então, o que devem fazer os doadores bem-intencionados? Remeto-vos para o livro “O Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas”, que diz que “O método científico é o modo de se ter a certeza de que a natureza não nos engana, fazendo com que se pense saber algo que realmente não se sabe”. Doadores filantrópicos são muitas vezes enganados pela natureza e por seus instintos. Às vezes, financiam trabalhos que realmente não precisam de financiamento, como o apoio às organizações que têm tanto dinheiro no banco que poderiam financiar-se por vários anos, sem qualquer dinheiro adicional.

Outros financiam trabalho que parece meritório, mas que na verdade agrava os problemas: por exemplo, uma campanha anti-drogas que nos EUA pode ter aumentado o uso de maconha [Pt. marijuana]. Por vezes, os doadores financiam atividades que atingem resultados, mas não são tão boas quanto as alternativas (como no exemplo queniano).

Para doar bem, os doadores precisam de provas científicas sólidas — começando com as provas sobre o problema. Por exemplo, quantas crianças não sabem ler e onde estão elas? Este é o propósito do ‘Annual Status of Education Report’ [ASER – Relatório Anual sobre o Estado da Educação] que testa os níveis de leitura e aritmética em 300.000 domicílios em toda a Índia (“aser” significa “impacto” em hindi), e, portanto, mostra onde a necessidade educacional é maior.

Em segundo lugar, precisamos de provas sobre a melhor forma de se resolver esse problema. A prova mais valiosa aqui é a partir de comparações diretas das abordagens concorrentes — como no exemplo queniano da água, embora, infelizmente, estes sejam raros. Em terceiro lugar, provas sobre o que os ‘beneficiários pretendidos’ realmente querem: há legiões de histórias de pessoas tentando construir, por exemplo, uma escola, quando o que a comunidade realmente quer é que o ônibus [Pt. camioneta] passe mais vezes. E em quarto lugar, provas sobre outra atividade para resolver o problema: no Reino Unido, ‘The Donkey Sanctuary’ [“O Santuário dos Burros”] consegue três vezes mais financiamento, do que as pessoas com problemas de saúde mental — é difícil imaginar que eles realmente tenham três vezes mais necessidade.

Doadores inteligentes, portanto, usam conscientemente duas estratégias: usam as provas (assumindo que sejam adequadas), ou se não forem, haverá que descobri-las. O Dubai Cares, uma fundação multimilionária criada pelo governante de Dubai, o Sheikh Mohammed bin Rashid al-Maktoum, concentrada no ensino primário nos países em desenvolvimento, pretende gastar 65 por cento do seu orçamento anual em programas baseados em provas científicas existentes, e os outros 35 por cento na descoberta de provas que o Dubai Cares e outros poderão usar.

Um programa com base em provas sólidas existentes pode distribuir mosquiteiros gratuitos para prevenir a malária na África sub-saariana. Tais programas tiveram um bom desempenho em numerosas avaliações rigorosas. Embora seja necessário, mesmo assim, tomar cuidado. Em alguns lugares há relatos de mosquitos mudando seus horários de alimentação para contornar os mosquiteiros.

Uma maneira rápida de encontrar alguns programas com base em provas científicas é através da  The Life You Can Save, uma ONG fundada pelo especialista em ética Peter Singer (esclarecimento: na qual sou uma consultora não remunerada).

Obter provas inclui fazer pesquisa básica, tal como a do Projeto Genoma Humano, que foi financiado pelo Wellcome Trust, a fim de manter o “código humano” no domínio público. Também inclui pesquisa médica e avaliações de programas sociais e ambientais: por exemplo, o Monument Trust, parte do Sainsbury Family Charitable Trusts, está a financiar um experimento em Birmingham para avaliar várias maneiras de reduzir o taxa de crimes de “infratores de baixo risco”.

Será necessário, então, que todas essas provas científicas estejam acessíveis e se encontrem sem dificuldade, o que não é fácil. Por exemplo, a campanha AllTrials visa garantir que os resultados de todos os ensaios clínicos sejam publicados — não apenas aqueles que lisonjeiam os pesquisadores.

Encontrar provas sólidas sobre um problema premente pode ser inestimável para a sua própria doação e a de outras pessoas. Use as provas se existirem, e descubra-as caso não existam. Dessa forma, podemos evitar ser enganados e levados ao desperdício das nossas doações.

 


Texto de Caroline Fiennes publicado originalmente no Giving Evidence em 03 de abril de 2016.

Tradução de Thiago Tamosauskas. Revisão de José Oliveira.

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