Altruístas eficazes amam mudanças sistêmicas

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Altruístas eficazes estão mundo afora, todos os dias, consertando as principais causas dos problemas na nossa sociedade. É hora de refutar definitivamente a alegação de que não nos importamos com mudanças sistêmicas.

Ontem tratamos de dissipar a idéia de que a 80,000 Hours, e os altruístas eficazes de modo mais geral, só estão interessados em “ganhar para dar”. Apesar de que algumas pessoas deveriam ganhar para dar, calculamos que quantidade certa seja inferior a 20% e pensamos que “ganhar para dar” é agora mais popular entre as pessoas que seguem os nossos conselhos do que deveria ser.

Hoje eu quero tratar de dissipar outro engano comum sobre o altruísmo eficaz e a 80,000 Hours: que somos contra trabalhar em mudanças sistêmicas.

Apesar de ser a crítica mais generalizada ao altruísmo eficaz, a idéia é claramente bizarra. Somos pragmáticos de coração, e sempre à procura das maneiras mais eficazes de tornar o mundo um lugar melhor.

Por que não poderia a procura de mudanças de grande escala a nível legal, cultural ou político ser a abordagem mais eficaz para tornar o mundo um lugar melhor? A resposta é simplesmente que poderia!

Então não há nada, em princípio, na idéia de maximizar o impacto social de seu trabalho que exclua, ou mesmo desencoraje, uma busca pela mudança sistêmica.

Mas no entanto, e na prática? Aqui estão algumas pessoas que se identificam como altruístas eficazes e trabalham com mudança sistêmica:

  • As pesquisas e doações mais recentes do Open Philanthropy Project sobre a reforma da imigração, reforma da justiça penal, macroeconomia e desenvolvimento internacional, estão claramente focadas em grandes mudanças estruturais de vários tipos.
  • O site OpenBorders.info reúne pesquisas e promove a alternativa de um aumento dramático na migração de pobres para os países ricos.
  • Uma nova startup chamada EA Policy, recomendada para apoio financeiro por meus colegas da EA Ventures, está testando o impacto de fazer propostas em fóruns políticos abertos organizados pelo governo dos EUA durante este verão.
  • Nossos colegas da Global Priorities Project pesquisam quais devem ser as prioridades das reformas mais importantes para os governos, e como eles podem melhorar o custo-benifício e o processo de tomada de decisões.
  • Um dos principais objetivos da GiveWell desde o início, e talvez seu objetivo principal, tem sido o de mudar as normas culturais dentro do setor sem fins lucrativos, e os padrões pelos quais estes são julgados pelos doadores. Queriam tornar necessária a transparência das instituições de caridade para com os doadores sobre os seus sucessos e fracassos, e a execução de projectos que realmente ajudassem os destinatários. Já mudaram significativamente as conversas sobre doações à caridade.
  • Representantes da Giving What We Can tiveram uma reunião com pessoas do governo do Reino Unido sobre as opções para melhorar a eficácia da ajuda internacional. Uma das suas primeiras páginas de conteúdos e mais populares desmascara os mitos que as pessoas citam quando se opõem à ajuda ao desenvolvimento internacional. Uma das primeiras coisas que escrevi quando trabalhava para a Giving What We Can foi sobre o uso adequado das taxas de descontos por parte dos governos que prestam serviços de saúde. Até recentemente um membro da Giving What We Can, que nós conhecemos bem, estava a trabalhar na agência de ajuda internacional do Reino Unido DfID.
  • Algumas das pessoas que foram aconselhadas pela 80,000 Hours, a maioria das quais, infelizmente, prefere permanecer anônima, estão a entrar na política, em grupos de reflexão e a criar organismo de mobilidade de trabalho ou empresas que facilitam os fluxos de remessas para os países em desenvolvimento.
  • Diversas organizações concentradas nos riscos existenciais (FHI, CSER e FLI me veem à mente) tem um grande interesse em políticas governamentais, especialmente aquelas em torno da regulamentação de novas tecnologias ou instituições que podem melhorar a cooperação inter-estatal e prevenir conflitos.
  • Ex-mentorados do 80,000 Hours e instituições de caridade altruístas eficazes trabalham ou doam para esforços de lobby para melhorar a regulamentação do bem-estar dos animais, tais como Humane Society US-FARM. Outros ativistas estão trabalhando por mudanças dramáticas de toda a sociedade na forma como esta vê a importância moral dos animais não-humanos.

Parece-me que o mais correto é dizer que os altruístas eficazes ❤ a mudança sistêmica.

Mas não terminamos. Estou trabalhando em pesquisas na 80,000 Hours. Aqui estão algumas outras mudanças sistêmicas que eu e alguns dos meus colegas acreditamos ter verdadeiro potencial e que poderiam ser facilmente alcançadas:

  • Aumentar significativamente os gastos em ajuda ao desenvolvimento, garantindo que sejam gastos de maneiras que funcionem, como na prestação de cuidados básicos de saúde.
  • Melhoria da regulamentação para reprimir os fluxos financeiros ilícitos dos pobres para países ricos.
  • Alterações dos regulamentos financeiros para evitar que os bancos deliberadamente externalizem o custo dos riscos sistêmicos para os governos, por serem “grandes demais para falir”.
  • Colocar um preço nas emissões de todos os gases de efeito estufa, idealmente coordenados internacionalmente para ter um preço consistente em todo o mundo desenvolvido.
  • Maior financiamento internacional para o controle de doenças contagiosas e para uma melhor coordenação entre os países para fazer com que doenças emergentes não se espalhem, provavelmente através da OMS.

Estes são alguns conselhos de cabeça e não uma conclusão oficial da pesquisa, mas não ficaria surpreso se, no futuro, recomendássemos a promoção de mudanças deste tipo como um dos melhores caminhos de carreira para alguém com as oportunidades e habilidades necessárias. Nossos perfis de carreira em política e carreiras públicas já são positivos;  apenas ainda não temos suficientes pesquisas para os recomendar com confiança sobre todas as outras alternativas. O Centre for Effective Altruism, do qual a 80,000 Hours é uma parte, tem publicado posts ou relatórios sobre três destas questões e também as colocou em pauta em reuniões com membros do governo do Reino Unido.

As discussões com os meus colegas e outros altruístas eficazes, seja em pessoa ou on-line, constantemente se voltam para a questão de quais instituições, normas sociais ou políticas governamentais podem ser mais valiosas para se trabalhar. Tive meia dúzia de discussões este ano com colegas altruístas eficazes sobre os méritos de um “rendimento mínimo garantido”. Essas conversas não são apenas jogos intelectuais: uma das pessoas estava considerando dedicar os próximos anos para trabalhar em uma start-up ligada a essa causa.

Agora, você pode não concordar com as propostas em que eu ou os demais estejamos a  trabalhar. Qualquer uma delas pode realmente ser uma má idéia. Algumas são muito desafiadoras de se vender aos políticos ou ao eleitorado. Talvez nenhuma delas nos permitam fazer o melhor bem possível com nossas carreiras.

Mas o quadro geral é completamente inconsistente com a crítica de que a 80,000 Hours ou nossos colaboradores altruístas eficazes sejam contra trabalhar por mudanças sistêmicas.

O que as pessoas querem realmente dizer quando afirmam que somos céticos quanto a mudanças sistêmicas? Tenho algumas idéias sobre como esta falsa percepção pode ter se formado:

  • Como discutido em outro lugar, “ganhar para dar” foi uma das nossas ideias mais virais e bem recebidas na mídia, e tem dominado a cobertura da 80,000 Hours e do altruísmo eficaz entre o público geral, para nossa crescente consternação. Ganhar para dar é geralmente percebida como uma mudança anti-sistêmica.
    Na verdade, alguém que “ganhou para dar” a fim de pagar o salário de alguém que trabalha para a mudança sistêmica, está trabalhando ele mesmo para a mudança sistêmica. Nesse sentido, “ganhar para dar” é simplesmente neutro sobre a questão da mudança sistêmica vs. não sistêmica. O revolucionário comunista Friedrich Engels é um exemplo clássico dessa abordagem, embora eu ache que ele, pessoalmente, fez mais mal do que bem.
    Gostaria também de argumentar que criar uma expectativa social de que, para serem pessoas decentes, os ricos devem dar uma grande fração de sua riqueza para os outros, é em si uma forma de mudança sistêmica.
  • Altruístas eficazes geralmente não são radicais ou revolucionários, como dá a entender minha lista acima. Minha atitude, olhando para a história, é que as mudanças dramáticas bruscas na sociedade geralmente levam a piores resultados do que as melhorias evolutivas graduais. Estou muito interessado em mexer com os sistemas governamentais ou econômicos para fazê-los funcionar melhor, mas dificilmente vou querer apenas jogá-los fora e reconstruir a partir do zero. Pessoalmente, prefiro a manutenção e melhoria principalmente da economia de mercado, embora alguns dos meus amigos e colegas esperem que possamos um dia fazer coisas muito melhores. Independentemente disso, esse temperamento de “atravessar o rio, sentindo as pedras” é generalizada entre os altruístas eficazes, e na minha opinião, isso é uma grande coisa que pode nos ajudar a evitar os erros que os extremistas cometeram ao longo da história. O sistema poderia ser muito melhor, mas só precisamos olhar para a história para ver que também poderia ser muito pior.
    No entanto, mesmo isto permanece apenas uma crença empiricamente fundada – se encontrar provas de que a mudança revolucionária é melhor do que pensei, irei reconsiderar trabalhar por mudanças revolucionárias.
  • Sendo todo o resto igual, altruístas eficazes preferem seguir as alterações sistêmicas que são mais prováveis de serem alcançadas. Às vezes, vemos as tentativas existentes de mudança sistêmica como sendo mais simbólicas ou idealistas do que realistas, e assim nos voltamos contra elas. Por exemplo, escrevi um post há anos atrás sobre porque não é um bom uso do tempo trabalhar no controle de armas dos EUA. Claro que isso não tem nada a ver especificamente com mudanças sistêmicas:  frequentemente também somos contra abordagens não-sistêmicas que não esperamos ser de muita ajuda. Tento aplicar meu pragmatismo às mudanças sistêmicas que no meu coração gostaria de amar: por muito entusiasmado que esteja sobre a ideia de abertura das fronteiras, pode ser impossível pedir isso no clima político atual.
  • Temos lidado com o enorme problema de “como ajudar outros a fazer o melhor” e temos que começar por algum lugar. O lugar natural para nós, a GiveWell e outros grupos começarmos a ganhar experiência é nas áreas e causas onde a evidência empírica seja mais forte, como na melhoria da saúde através mosquiteiros contra a malária, ou determinar em que carreiras se pode “ganhar para dar” mais.
    Tendo aprendido com essa experiência de pesquisa estaremos em uma posição melhor para avaliar abordagens em mudanças sistêmicas, que geralmente são menos transparentes e experimentais, e compará-las com as opções não-sistêmicas. Isso é muito claro no caso da Open Philanthropy Project, que está se ramificando para fora da GiveWell e é mais aberta a abordagens de alto risco não comprovados, como política, do que a própria GiveWell.

Assim, caso você tenha perdido a mensagem acima:

Os altruístas eficazes, ou o altruísmo eficaz, são a favor de promover mudanças sistêmicas?

Sim, sim, sim. Mil vezes, sim!

Não queremos derrubar o sistema existente, mas quase todos nós queremos fazer melhorias duradouras nos sistemas nacionais e internacionais para garantir que o futuro seja melhor do que o passado. A única pergunta, que nós e os outros estão investigando agora, é sobre qual a melhor forma de se fazer isso.

 


Texto originalmente postado por Robert Wiblin no blogue da 80,000 Hours, em 8 julho de 2015.

Tradução de Thiago Tamosauskas. Revisão de Luís Campos e José Oliveira.

 

 


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