O Sofrimento nos Animais vs. Humanos

Por Brian Tomasik (EA Forum)

Sofrimento Animal vs H.fx

Sofrimento animal, é menos grave do que o nosso? (Arte digital: José Oliveira | Fotografias: Pixabay)

Sumário

Há um amplo consenso de que pelo menos os animais mais desenvolvidos podem ter consciência do seu sofrimento. Mesmo que tivéssemos dúvidas sobre este fato, isso não afetaria muito os nossos cálculos do valor esperado, pois os animais são bem mais numerosos do que os seres humanos. Às vezes se afirma que os seres humanos sofrem mais intensamente do que os animais por terem experiências emocionais mais profundas, mas penso que a própria dor em bruto representa uma fração não trivial da severidade total do sofrimento e, mesmo se contássemos menos a dos animais, mais uma vez isso não afetaria muito os cálculos (devido à sua quantidade).

Consciência animal

Quase todos os cientistas modernos concordam que pelo menos os mamíferos e as aves têm, quase de certeza, consciência das suas emoções. A “Declaração de Cambridge sobre a Consciência” foi uma expressão clara desse consenso.

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Que os animais podem ter consciência do seu sofrimento é quase indiscutível, mas subsistem agnósticos, alguns deles nobres de espírito.

Uma defensora dos animais agnóstica é Marian Stamp Dawkins, cujo “Convincing the Unconvinced That Animal Welfare Matters [Convencendo os Não Convencidos de que o Bem-estar Animal é Importante] encorajou os defensores dos animais a não alegarem que a ciência sabe que os animais têm consciência e, em vez disso, a promoverem outras razões para nos preocuparmos com os animais, incluindo as razões centradas no ser humano. Em resposta, Marc Bekoff escreveu “Dawkins’ Dangerous Idea: We Really Don’t Know If Animals Are Conscious” [“A Idéia Perigosa de Dawkins: Nós Realmente Não Sabemos se os Animais Têm Consciência”], argumentando que Dawkins estava a ignorar demasiados argumentos esmagadores que já existem a favor da consciência animal. Há muitos outros debates deste tipo, mas vou me concentrar aqui na discussão entre Dawkins e Bekoff.

Certeza científica vs. ação prática

Penso que a distinção mais importante que precisa ser feita é entre “certeza” na ciência e “certeza” na ética. Dawkins tem razão que a ciência deve permanecer cética em relação à consciência animal e que devemos procurar provas independentes para as conjeturas existentes.

Mas embora Dawkins tenha razão de que não sabemos “de certeza” se os animais têm consciência, esta afirmação é enganosa para muitos leigos que assumem que ela deve querer dizer que as probabilidades rondam os 50%. Não sei qual é a opinião dela sobre quais serão realmente essas probabilidades, mas diria que há uma chance acima de 80% de as galinhas terem consciência e acima, digamos, de 85% de os porcos terem consciência (em comparação com, talvez, 95% de que você tenha consciência). Com probabilidades como estas, é melhor dizer que o argumento a favor foi provado, caso contrário o público entenderá mal. Muitas pessoas não são motivadas por menos do que a certeza absoluta, e penso que Bekoff tem razão ao enfatizar que a dúvida científica, em média, irá prejudicar os animais. (Basta ver o que acontece quando se fala de incerteza relativamente ao debate sobre o aquecimento global).

Provas a favor da consciência animal

Ora, Dawkins tem toda a razão sobre não entendermos exatamente o motivo pelo qual os animais têm consciência. Na verdade, nós nem sequer sabemos o motivo pelo qual as pessoas têm consciência. Afinal, o que é que ter consciência permite fazer que não se possa fazer se não se tiver consciência? Como demonstra a visão cega, é possível andar e evitar objetos sem se estar consciente deles. Se nós mesmos não tivéssemos a experiência da nossa consciência através de nossas próprias mentes, então certamente teríamos dúvidas científicas sobre se as pessoas também têm consciência.

Há uma multiplicidade de artigos demonstrando um comportamento sofisticado e auto-reflexivo em animais que Bekoff e outros consideram implicar ter consciência, e na verdade estes são excelentes elementos de prova. No entanto, não são provas conclusivas de se ter consciência pois, atualmente, usando esses testes, nem sequer podemos provar que os seres humanos têm consciência. (No futuro, assim que se compreenda realmente como funciona no cérebro a consciência, deveremos ser capazes de avaliar a consciência apenas olhando para o cérebro e para o tipo de algoritmos que este está executando).

Penso que provavelmente a razão mais forte pela qual devemos acreditar que os animais têm consciência é que eles estão próximos de nós na árvore evolutiva, e as suas estruturas cerebrais são notavelmente semelhantes. Em “New evidence of animal consciousness [“Novas Provas da Consciência Animal”] (2004), Donald R. Griffin e Gayle B. Speck observam que “a procura por correlatos neurais de consciência não encontrou nenhuma estrutura ou processo de produção de consciência que se limite ao cérebro humano” (p. 1). E em “Building a neuroscience of pleasure and well-being[“Construindo uma neurociência do prazer e do bem-estar”] (2012), Kent C. Berridge e Morten L. Kringelbach comentam:

O progresso tem sido facilitado pelo reconhecimento de que os mecanismos hedônicos do cérebro são amplamente compartilhados entre os seres humanos e outros mamíferos, permitindo a aplicação de conclusões de estudos com animais para uma melhor compreensão dos prazeres humanos. […]

Certas pessoas podem se surpreender com a grande semelhança entre espécies, ou por contribuições subcorticais substanciais, pelo menos se pensarmos no prazer como sendo exclusivamente humano e como emergindo apenas no topo do cérebro. A semelhança neural indica um aparecimento filogenético precoce de circuitos neurais para o prazer e uma conservação desses circuitos, incluindo circuitos cerebrais profundos, na elaboração das espécies mais tardias, incluindo os seres humanos.

Provavelmente dezenas de outros artigos poderiam ser citados de forma semelhante. Com base nisso, uma probabilidade de 50% é demasiado baixa para a existência de consciência em mamíferos e aves.

Devemos usar outros argumentos para ajudar os animais?

E o que dizer do esforço que Dawkins propõe: Fazer com que as pessoas se preocupem com os animais tendo como razão o bem-estar humano? Se pudéssemos fazer isso pressionando um botão, eu seria a favor. Mas quando estamos distribuindo nossos escassos recursos para ajudar os animais, acho que essa tarefa deveria ocupar um lugar muito baixo na lista de prioridades. Seria ótimo se pudéssemos ajudar os animais a curto prazo desta forma, mas se quisermos evitar que os seres humanos do futuro multipliquem o sofrimento dos animais selvagens na galáxia, é melhor termos certeza de que os nossos descendentes se preocupam realmente com os animais. Mesmo que ajudar os animais às vezes coincida com os interesses humanos de hoje, não podemos garantir que isso continue a ser verdade no futuro.

Além disso, gostei desta declaração de Dawkins, conforme citado no artigo de Bekoff: “… é muito, muito melhor para os animais se permanecermos céticos e agnósticos [sobre a consciência] … Militantemente agnósticos se necessário, pois isso mantém viva a possibilidade de que um grande número de espécies tenha algum tipo de experiência consciente … Tanto quanto sabemos, muitos animais, não apenas os mais inteligentes e não apenas os que são manifestamente emotivos, também têm experiências conscientes”. (p. 177) É totalmente apropriado falar sobre probabilidades e valores esperados no contexto certo, mas a minha crítica a Dawkins é que, entre o público em geral, a linguagem da incerteza deixa as pessoas confusas e menos motivadas.

Será que o sofrimento animal é menos grave do que o sofrimento humano?

Mesmo se as pessoas concordarem que os animais podem sofrer, elas podem sugerir que os animais sofrem menos intensamente porque não têm o mesmo sofrimento mental de alto nível que os seres humanos possuem.

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Em resposta, gostaria de salientar primeiramente que não temos a certeza se é verdade que os animais têm uma atividade mental substancialmente menos sofisticada, pelo menos os animais de níveis “mais desenvolvidos” como os mamíferos. Os animais mostram muitas das psicopatologias que estão presentes nos seres humanos e são usados como modelos de depressão para se testar medicamentos. Os elefantes têm rituais fúnebres. Os corvos parecem andar de trenó por diversão. Marc Bekoff, Jonathan Balcombe e outros etólogos escreveram inúmeros livros documentando a complexa vida emocional de mamíferos, aves, peixes e até mesmo polvos.

Por outro lado, e se pensássemos que os animais sofrem menos? Bem, acho que perguntaria: Em que medida sofrem menos? Não penso que sejam ordens de magnitude menor, e se não são, então os cálculos básicos mostrando que, à margem, o bem-estar animal tem prioridade sobre o bem-estar humano iriam permanecer. Suponha que você era uma galinha sendo escaldada e afogada viva em um tanque de depenagem a ferver. Em que medida esta experiência seria menos negativa caso você não tivesse pensamentos mais amplos sobre o fim de sua vida, a injustiça de sua situação, o quanto sentiria falta de seus amigos, etc.? Suspeito que a dor física em bruto esmagaria esses pensamentos secundários durante esse momento, e mesmo que não o fizesse, não acho que os pensamentos de nível superior seriam muito mais fortes do que a dor em bruto.

Finalmente, há muitas ocasiões em que os seres humanos podem de fato sofrer menos por causa de sua compreensão da situação. Os seres humanos que sofram uma intoxicação alimentar podem saber que a agonia terminará após um ou dois dias e que os seus amigos e familiares os ajudarão entretanto. Os animais que passem pela mesma experiência podem não ter idéia do que está acontecendo com eles, se isso vai passar, ou o que será de suas vidas.

Embora possa ser uma ilusão, subjetivamente sinto como se as minhas experiências diárias fossem menos emotivas e, portanto, menos importantes do ponto de vista moral, agora que sou um adulto em comparação com quando era criança, porque quando era criança tinha menos capacidade de regular o meu estado emocional.

Rolls (2008), p.152:

Nos seres humanos, o luto pode ser particularmente potente porque adquire representação em um sistema que pode planejar com antecedência, e compreender as implicações duradouras da perda. (Pensar ou discutir verbalmente estados emocionais também pode, nestas circunstâncias, ajudar, porque isso pode levar à identificação de reforços novos ou alternativos, e à percepção de que, por exemplo, as conseqüências negativas podem não ser tão ruins quanto se receava).

Os pontos discutidos acima são fascinantes de se refletir, e é valioso ouvir das outras pessoas, face às suas próprias experiências, quais consideram ser as mais desagradáveis. Dito isto, nós seres humanos modernos vivemos vidas extremamente confortáveis em comparação com os animais criados na pecuária industrial ou os animais selvagens, por isso não é surpreendente que a maioria de nossas piores lembranças possam ser de ferimentos puramente emocionais. De qualquer forma, independentemente das nossas conclusões na questão da magnitude relativa da dor animal e humana, a dor física e psicológica, não me parece provável que isso possa fazer tombar a balança dos nossos cálculos sobre a maneira de fazer o maior bem com os nossos dólares e horas.

Importância da autoconsciência?

LeDoux e Brown (2017) consideram a representação de si como crucial para a emoção:

Sem o eu não há medo, amor ou alegria. Se algum evento não está afetando você, então ele não está produzindo uma emoção. Quando seu amigo ou seu filho sofre, você sente porque eles fazem parte de si. Quando o sofrimento de pessoas que você não conhece o afeta emocionalmente, é porque você tem empatia por elas (colocando-se no lugar delas, sentindo sua dor): se não há você, não há emoção. O eu é, como foi observado acima, a cola que une essas representações multidimensionais integradas (156).

Esta idéia de que a individualidade é importante para a emoção me parece estranha. A minha imaginação de uma emoção forte como a dor é que ela é principalmente uma mensagem de uma “coisa ruim acontecendo agora”, e situar essa dor no meu contexto enquanto alguém que a experimenta é meramente o toque final. O que mais importa sobre a dor é a forte motivação que ela produz, e essa motivação não parece depender significativamente de um conceito de mim mesmo enquanto aquele que a  experimenta.

LeDoux e Brown acrescentam:

Tulving argumentou que a consciência autonoética [consciência do eu em um tempo subjetivo] é uma característica exclusiva do cérebro humano (135). Outros animais poderiam, em princípio, experimentar estados noéticos sobre estar em perigo. No entanto, como tais estados carecem do envolvimento do eu, como resultado da ausência da consciência autonoética, os estados, em nossa opinião, não seriam emoções.

Mesmo que esta hipótese seja verdadeira (para alguma noção suficientemente específica de “consciência autonoética”), parece-me exageradamente paroquial contar apenas esses tipos de mentes como tendo emoções.


Publicado originalmente por Brian Tomasik no EA Forum, a 15 Agosto 2017.

Tradução de Ligea Hoki. Revisão de José Oliveira.


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