Por que razão será importante saber o que é a Inteligência Artificial Geral (IAG ou AGI — artificial general intelligence)? Se isto significa que a IA pode atingir a inteligência humana em todas as suas dimensões, em que medida poderá tornar-se um problema maior do que as soluções que possa trazer? E em que medida será um problema insuperável? Talvez seja útil partir de uma definição mais concreta para compreender melhor a situação. Para esse efeito, um grupo de cientistas concentrou-se agora em obter a definição de IAG. Essa resposta poderá esclarecer o ponto em que nos encontramos no desenvolvimento da IA e até o momento a partir do qual o seu desenvolvimento poderá escapar ao nosso controlo.
Haverá uma mudança de paradigma na IA?
Eis um resumo do panorama actual: estamos a viver um momento de mudança no que se refere ao desenvolvimento da IA. Durante grande parte da década de 2010, o seu progresso seguiu uma regra aparentemente simples: mais poder de computação significava modelos maiores e um melhor desempenho.

No entanto, no final de 2024, os laboratórios de ponta descobriram que esta fórmula já não produzia os mesmos resultados. Embora o desempenho dos novos modelos aumentasse, tornavam-se cada mais caros e lentos. A escalabilidade do pré-treino parecia ter atingido um impasse em termos práticos.
Entretanto, isso estava a suceder ao mesmo tempo que emergia um novo processo com ganhos de desempenho excepcionais: a aprendizagem por reforço — em que se solicita ao modelo que responda e, em seguida, julgue a sua própria decisão, aprendendo com o resultado. Este ciclo de aprendizagem foi responsável pelos saltos de desempenho observados nos modelos mais recentes.
Mas há uma descoberta crucial: com a aprendizagem por reforço o principal obstáculo na IA mudou do poder computacional bruto para o “método”, ou seja, a forma como treinamos e adaptamos os modelos. O progresso tornou-se menos previsível e mais dependente do orçamento e de avanços conceptuais.

Neste contexto transformador, já há quem proclame ter vislumbrado a Inteligência Artificial Geral. Investigadores da Microsoft afirmaram que o GPT-4 “poderia razoavelmente ser visto como uma versão inicial (ainda que incompleta) de um sistema de inteligência artificial geral”. Sam Altman, Director Executivo da OpenAI, foi ainda mais longe dizendo, em Janeiro deste ano, que “estamos agora confiantes de que sabemos como construir a IAG tal como a entendemos tradicionalmente”.
Mas afinal, o que é realmente a IAG?
Recentemente, um grupo de investigadores formalizou um estudo com uma nova definição: “IAG é uma IA que pode igualar ou exceder a versatilidade cognitiva e a proficiência de um adulto com uma boa educação”.
A ausência de uma definição concreta para a IAG tem obscurecido a distância entre a IA especializada actual e a cognição humana. No entanto, os investigadores têm convergido em relação a algumas características essenciais.
A nova definição proposta centra-se em capacidades frequentemente possuídas por indivíduos com uma boa educação e não num conjunto sobre-humano de conhecimentos e capacidades combinadas de todos os indivíduos com uma boa educação. Portanto, esta definição de IAG incide sobre a IA ao nível humano, individual, e não sobre a IA ao nível da economia ou da sociedade.
Esta definição distingue-se das anteriores por ser operacionalizável. Não se trata apenas de uma declaração filosófica abstracta, mas sim de um quadro de referência que pode ser utilizado como medida e testado de forma concreta, com base no modelo de cognição humana mais empiricamente validado, a teoria de Cattell-Horn-Carroll.
Como podemos medir o progresso rumo à IAG?
O quadro de referência proposto decompõe a inteligência artificial geral em dez componentes cognitivos fundamentais, cada um dos quais contribui com 10% para a pontuação total da IAG:
- Conhecimento geral: a compreensão factual do mundo, abrangendo senso comum, cultura, ciência, ciências sociais e história.
- Capacidade de leitura e escrita: a proficiência na compreensão e produção da linguagem escrita.
- Capacidade matemática: a profundidade do conhecimento matemático em aritmética, álgebra, geometria, probabilidade e cálculo.
- Raciocínio imediato: resolver problemas novos sem depender exclusivamente de esquemas aprendidos anteriormente.
- Memória de trabalho: manter e manipular informações na atenção activa em modalidades textuais, auditivas e visuais.
- Armazenamento da memória de longo prazo: aprender continuamente novas informações.
- Recuperação da memória de longo prazo: fluência e precisão no acesso ao conhecimento armazenado (incluindo a capacidade de evitar alucinações).
- Processamento visual: perceber, analisar, raciocinar, gerar e examinar informações visuais.
- Processamento auditivo: discriminar, reconhecer e trabalhar criativamente com estímulos auditivos, incluindo fala, ritmo e música.
- Velocidade: realizar tarefas cognitivas simples rapidamente, abrangendo velocidade perceptiva, tempos de reacção e fluência de processamento.
Para operacionalizar esta medição, os investigadores adaptaram baterias psicométricas humanas estabelecidas para avaliar sistemas de IA. Isso permitiu uma comparação directa e rigorosa entre as capacidades da IA e as capacidades humanas em cada domínio.
Em que ponto se encontram as IA actuais no caminho para a IAG?
A aplicação deste quadro de referência aos modelos actuais revela um perfil cognitivo altamente irregular. Os resultados são simultaneamente impressionantes e reveladores:
| Domínio (máx. 10%) | GPT-4 (2023) | GPT-5 (2025) |
| Conhecimento Geral | 8% | 9% |
| Leitura e Escrita | 6% | 10% |
| Matemática | 4% | 10% |
| Raciocínio | 0% | 7% |
| Memória de Trabalho | 2% | 5% |
| Armazenamento | 0% | 0% |
| Recuperação | 4% | 4% |
| Visual | 0% | 4% |
| Auditivo | 0% | 6% |
| Velocidade | 3% | 3% |
| Total (Pontuação IAG) | 27% | 58% |
O GPT-4 tinha capacidades visuais e auditivas inexistentes, e capacidade de raciocínio negligenciável. O GPT-5 mostra melhorias significativas em áreas como Matemática e Leitura/Escrita.
Quais são os principais obstáculos para se atingir a IAG?
O obstáculo mais significativo é o Armazenamento de Memória de Longo Prazo, que obtém uma pontuação próxima de 0% tanto no GPT-4 como no GPT-5. Sem a capacidade de aprender de forma contínua e de reter informação de maneira estável, é como se os sistemas de IA sofressem de amnésia, o que limita a sua utilidade e os obriga a reaprender o contexto em cada interacção.
Para contornar estas lacunas, os sistemas de IA recorrem ao que os investigadores designam por “capacidades contorcionistas”. Estas soluções de recurso disfarçam as limitações reais e podem criar uma ilusão de capacidade geral.
Existem dois tipos de contorcionismo predominantes:
- Memória de Trabalho vs. Armazenamento de Longo Prazo: os modelos dependem de janelas de contexto maciças para compensar a falta de armazenamento; Embora isto permita que a IA absorva informações, é ineficiente e dispendioso em termos de computação, além de falhar ao tentar escalar para tarefas que exigem semanas de contexto acumulado.
- Pesquisa Externa vs. Recuperação Interna: a imprecisão na recuperação da memória, manifestada sob a forma de alucinações (tanto o GPT-4 como o GPT-5 obtiveram 0% neste aspecto), é frequentemente mitigada pela integração de ferramentas de pesquisa externa. Este processo compensa a incapacidade de aceder de forma fiável ao vasto, mas estático, conhecimento da IA e disfarça a ausência de uma memória dinâmica e experiencial persistente.
Confundir este contorcionismo com a verdadeira amplitude cognitiva pode conduzir a avaliações imprecisas sobre quando a IAG será alcançada.
Segundo estes investigadores, essas barreiras significativas tornam improvável uma pontuação IAG de 100% no próximo ano.
IAG é a forma final de Inteligência Artificial?
Como a investigação adianta, a IAG não é necessariamente o ponto final do desenvolvimento da IA, podendo surgir outros tipos de IA estrategicamente relevantes antes ou depois da IAG. A este respeito, mencionam alguns exemplos dignos de nota:
- IA pandémica: pode projectar e produzir novos patógenos infecciosos e virulentos, capazes de causar uma pandemia.
- IA de guerra cibernética: é capaz de conceber e executar campanhas de ataques cibernéticos sofisticados e em várias etapas contra infra-estruturas críticas.
- IA auto-sustentável: consegue operar de forma autónoma por tempo indeterminado, obtendo os recursos necessários e defendendo a sua existência.
- IAG: pode igualar ou exceder a versatilidade cognitiva e a proficiência de um adulto com uma boa educação.
- IA recursiva: pode gerir de forma autónoma todo o ciclo de pesquisa e desenvolvimento da IA, criando sistemas significativamente mais avançados.
- Super-inteligência: pode exceder em muito o desempenho cognitivo dos seres humanos.
- IA substituta: pode realizar quase todas as tarefas de forma mais eficaz e acessível, tornando o trabalho humano obsoleto.
Agora que definimos IAG, o que se segue?
À medida que o sector atravessa uma mudança de paradigma de crescimento, uma definição de IAG centrada na cognição humana típica pode tornar-se um elemento estruturante. Esta pode clarificar o objectivo, conferir previsibilidade ao progresso e distinguir o marketing da ciência. Quando alguém disser “Já vimos a IAG” ou “Sabemos como criá-la”, a pergunta certa poderá passar a ser: “Em quantos dos dez domínios se manifestou, com que proficiência e versatilidade e de acordo com uma bateria de testes independentes?” É este o serviço que esta proposta oferece: uma escala que podemos nem sequer querer ultrapassar.
“Breves do AE”: resumos de publicações relacionadas com o AE que, por constrangimentos de tempo, ou restrições de direitos autorais, não poderíamos traduzir. Estes resumos servem essencialmente como estímulo à leitura dos textos originais aqui referidos.
Por José Oliveira🔸.
Descubra mais sobre Altruísmo Eficaz
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.





