O Altruísmo Eficaz e a Psicologia Moral

Por Celso Vieira

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Qual é a Psicologia por trás do Altruísmo Eficaz? (Arte digital: José Oliveira | Fotografias: Pixabay)

Prefácio

Não faz muito tempo, um jornalista entrou em contato comigo. Ele estava escrevendo uma reportagem sobre altruísmo e queria fazer uma entrevista sobre o Altruísmo Eficaz. Em seguida, ele perguntou do que se tratava o movimento. Eu, como de costume, comecei do começo. O AE é um movimento que parte de uma premissa muito simples e chega a conclusões muito contra-intuitivas na nossa relação com a ajuda ao outro. Como de costume, começar do começo não agradou. O jornalista perguntou, E quem é que vocês ajudam? Eu preferi seguir o argumento em vez do meu interlocutor, porém resolvi acelerar as coisas. A premissa intuitiva é que se ajudar é bom, maior quantidade de algo bom é melhor do que menos, então, se quisermos fazer o bem devemos fazer o maior bem possível. Mas a ONG de vocês trabalha com quem?, ele repetia. Para achar uma resposta para a sua pergunta, o altruísmo eficaz responde a uma outra pergunta, eu disse, o que a gente deve se perguntar é: ajudando a quem e de que maneira posso gerar o maior bem. Tá bom, mas a ONG ajuda quem?, o jornalista continuava. Pois é, eu fiquei aliviado de ter chegado a hora da resposta, atualmente os dados apontam que a ajuda gera o maior bem quando os esforços são aplicados na África subsaárica. O jornalista nunca mais disse nada. Ou melhor, ele nunca mais verbalizou nada, mas a atitude dele diz muito sobre nossas atitudes irrefletidas e intuições sobre o altruísmo. Eu admito que fiquei levemente ofendido, como reação tentei entender melhor o que tinha acontecido. Eis o resultado.

As bases

A psicologia moral é o ramo da psicologia que aplica métodos empíricosi para tentar entender melhor o nosso comportamento moral. Esse é o campo de pesquisa de Jonathan Haidt. A partir de um estudo quantitativo realizado em várias culturas e com milhares de indivíduos, ele identifica 5 campos fundamentais do nosso comportamento moral. Por se tratar de espectros ele usa dois extremos para caracterizá-los:

i) Cuidar/machucar: Vem da nossa evolução como mamíferos portadores de um sistema de empatia e a capacidade de sentir (e não gostar de sentir) a dor nos outros.

ii) Honestidade/enganar: Relacionado ao processo evolutivo do altruísmo recíproco, centrado na noção de proporcionalidade e distribuição.

iii) Lealdade/traição: Tem origem na nossa longa história como criaturas tribais dotadas da habilidade de formar coligações e trabalhar em grupos coordenados.

iv) Autoridade/subversão: Foi moldada pela nossa história como primatas com uma história hierárquica de interações sociais.

v) Santidade/degradação: Essa surge da psicologia do nojo e contaminação em oposição a valorização da purificação.

vi) Liberdade/opressão: Esta ainda está sob investigação, mas se baseia no ressentimento que as pessoas sentem diante daqueles que restringem a sua liberdade. Ela está em tensão com (iv).

Liberal e Conservador

Ademais, distinguem-se dois tipos de personalidades: liberais e conservadores ii. Os liberais se importam muito mais com (i) e, em menor grau, também com (ii) e (vi). Os conservadores têm uma fundação moral mais complexa, valorizando todos os seis campos. Além disso, segundo estudos neurológicos, eles se mostram menos sensíveis ao testemunhar a dor dos outros, o que diminui a força de (i).

O primeiro ponto a ser feito é as evidências não permitirem emitir um julgamento de valor para determinar quais desses fundamentos gerariam uma moralidade melhor para o indivíduo ou uma sociedade. Para aceitar isso, é preciso abandonar o nosso ponto de vista particular. Liberais, por exemplo, criticam bastante (iii) autoridade, (iv) lealdade e (v) santidade. Afinal de contas, essas foram fonte de muitos dos comportamentos de grupo mais chocantes da história da humanidade. Porém, abandonar por completo noções como autoridade, lealdade e santidade, não parece funcionar. Por exemplo, sem essas fundações os seres humanos parecem se tornar incapazes de formar grupos sociais duradouros que funcionem em prol do coletivo. Sem a ajuda delas, fica mais difícil que um indivíduo sacrifique algumas de suas vantagens pelo grupo. Vale a pena assistir essa palestra do Haidt.

Ademais, é preciso notar que se trata de uma pesquisa estatística, ou seja, a média encontrada a partir do todo não caracteriza nenhum indivíduo. É como quando se diz que casais têm, em média, 1,5 filhos e a gente não se questiona que nunca encontrou um meio indivíduo. De maneira análoga, ninguém se encaixa perfeitamente nos dois tipos paradigmáticos denominados de liberal e conservador. O que é ótimo. Se esse fosse um ensaio de autoconhecimento, o conselho seria de olhar para si, identificar o papel desses cinco campos nas nossas atitudes diárias e verificar onde é que estamos falhando por excesso ou por falta. Já que, como diria Aristóteles, a virtude fica no justo meio. O primeiro passo para esse tipo de autoconhecimento é começar a pensar em termos de liberais E conservadores (e deixar o versus de lado). As chances são que, em alguma medida, todos temos os seis campos acima (e, se não temos, devemos adquirir). Porém, nosso objetivo aqui é mais específico. Nos interessa é pensar esses campos em relação às nossas atitudes como altruístas.

Altruísmo

Liberais e conservadores aceitam que ajudar os outros é uma virtude. O desacordo, como na maioria das vezes, está nos detalhes. Para entender o desinteresse do jornalista ao escutar que o AE não lida com ONGs ou projetos locais podemos recorrer aos campos lealdade/ traição (iii) e cuidar/ machucar (i). De modo que vamos restringir a reflexão a eles.

Conservador

O campo (iii) lealdade/ traição leva ao favorecimento daqueles que consideramos parte do nosso grupo. Essa atitude reflete o comportamento muito comum de dar mais importância aos nossos. Isso se manifesta em todos os âmbitos da vida. Fatores arbitrários como apoiar um mesmo time, gostar de um mesmo tipo de comida, nascer no mesmo bairro, ser de um mesmo país, ter uma mesma orientação politica e/ ou ter uma mesma religião já nos predispõem a simpatizar com um ou outro indivíduo. É claro que no caso do altruísmo não é diferente. Se temos que ajudar, sentimos que temos mais obrigação de ajudar os nossos (seguindo os diferentes graus de proximidade). Porém, o AE convida a refletir se isso realmente faz sentido, afinal de contas, essas semelhanças e diferenças são arbitrárias. Se partimos do pressuposto que todas as vidas têm o mesmo valor, e que temos a oportunidade de salvar mais vidas em lugares distantes, por que é que deveríamos privilegiar ações locais?

A questão, no entanto, é complexa. Diferentes âmbitos e diferentes formas de organizações e instituições sociais podem gerar conclusões diferentes. Na sociedade em que vivemos, se alguém adotar uma postura totalmente imparcial, sem, por exemplo, colocar os interesses de seus filhos à frente de uma outra criança qualquer, com certeza, será visto como imoral. Eis um exemplo de que se abandonarmos por completo a lealdade provavelmente deixaremos de ser agentes morais funcionais em uma sociedade.

Mas isso não implica que não haja um limite para essa preferência. Por exemplo, estamos certos em achar normal um pai pagar a exorbitância de 3.000 reais de mensalidade para a educação infantil do seu filho enquanto milhões de outras crianças morrem por motivos banais como diarreia?

Mas o ponto desse ensaio, e o ponto do AE, é muito menos polêmico e, também por isso, muito mais forte. No caso da caridade parece não haver um bom argumento que defenda privilegiar uma ação local que se ocupa de poucas vidas em vez de uma ação longínqua que melhora milhares de vidas.

Liberal

Curiosamente o cuidar/ machucar (i), o campo mais importante para o liberal, também gera uma tendência de preferir a ajuda local. Isso porque em sua versão mais emotiva ele requer que nós vejamos os outros sofrendo para termos empatia e decidirmos ajudar. Isso faz sentido porque evoluímos vivendo em pequenos grupos, porém, mais uma vez, ainda que o que nos toque emocionalmente seja essa visão, se pararmos para considerar, o que importa não é a emoção que sentimos, mas o sofrimento dos outros. Assim, se há mais pessoas sofrendo mais em lugares além da nossa visão, é preciso ajudá-los.

Mais uma vez, pode ser que em diferentes âmbitos as nossas atitudes devam ser diferentes. Se a gente faz parte de uma comunidade e queremos melhorar algum aspecto dessa comunidade, faz sentido que as ações sejam locais. E também fica claro que aqui a lealdade (iii) voltou a se manifestar. Também nesse caso haverá muita discussão de qual será a melhor maneira de fazê-lo. Porém, mais uma vez, perante o caso do altruísmo, que leva soluções simples para melhorar a vida das pessoas que vivem nas piores condições no mundo, um tal localismo continua injustificado.

Conclusão

No fim, podemos ver como a reflexão filosófica vem complementar a psicologia moral. Se a psicologia tenta explicar como ‘é’ o nosso comportamento moral, a filosofia, se valendo dessas informações e aceitando que será difícil (e ineficaz) abandoná-las por completo, mostra através de argumentos quais pontos devemos expandir e quais devemos abandonar se quisermos fazer que o nosso comportamento moral seja como ‘deve ser’.

 

i Como no caso de todos os campos da ciência, os resultados estão abertos a questionamento. Ainda mais, no caso das ciências sociais, por se tratar de um objeto tão elusivo e sujeito a tantas nuanças, há um problema. Muitos dos estudos, quando replicados, geram resultados diferentes. Mas o tipo de aprofundamento que essa questão requer está muito além das pretensões desse breve ensaio.

ii Como Haidt se foca nos Estados Unidos, ele relaciona liberais e conservadores com os partidos predominantes no país. Porém, a pesquisa pretende ser universalizável.

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Texto de Celso Vieira.

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