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10 anos de defesa dos animais da pecuária, o que aconteceu? (Arte digital: José Oliveira | Fotografias: Pixabay)
É difícil ser um defensor dos animais da pecuária. A maioria dos problemas do mundo — pobreza, guerra, doença — está diminuindo, mesmo que muito devagar. Mas a pecuária industrial está aumentando: o número de animais que sofrem na pecuária industrial em todo o mundo mais do que duplicou apenas nas últimas duas décadas.
Pior, muitas vezes parece que não estamos progredindo. Após décadas de defesa do veg*nismo, apenas 5% dos americanos se identificam como vegetarianos, enquanto 86% dizem que “tentam incluir ativamente” frango em sua dieta — dois números que pouco mudaram em duas décadas nas pesquisas da Gallup. Uma pesquisa do Eurogrupo de 2019, envolvendo 7.000 pessoas nos sete maiores países da UE apurou que apenas 1% das mesmas identificam-se como veganas, e apenas metade daqueles que se identificaram como “veganos” disseram nunca ter comido frango.
Acrescente a isso o rápido crescimento da pecuária industrial em todo o mundo — nas tendências atuais, a pecuária industrial daqui a uma década confinará 4,2 bilhões [Pt. 4,2 mil milhões] de animais terrestres e 18,5 bilhões [Pt. 18,5 mil milhões] de peixes a mais do que hoje — e à distância pode parecer que há poucas razões para se comemorar.

A produção mundial de frango e peixe da aquacultura aumentou 18 vezes desde 1961 e está a caminho de continuar aumentando drasticamente. Observe que o gráfico mostra o peso, não o número de seres vivos em dado momento, porque há apenas dados históricos confiáveis para o primeiro. Há mais peixes da aquacultura vivos do que galinhas em qualquer altura, devido à maior expectativa de vida e ao tamanho menor dos peixes. “Peixes da aquacultura” inclui todos os peixes, crustáceos e cefalópodes, mas não outros moluscos ou outras vidas aquáticas. Fontes: FAOStat, FAO Aquaculture data.
10 jogadas vitoriosas em 10 anos
Mas olhe mais de perto: o movimento de defesa dos animais da pecuária alcançou mais progresso na última década do que em todo o século anterior:
- Vitórias de corporações livres de gaiolas. Nos últimos 10 anos, os defensores garantiram compromissos de 1.363 empresas em 77 países — incluindo 18 dos 20 maiores distribuidores de alimentos do mundo — para que parassem de vender ovos de galinhas enjauladas. Na Europa, onde essas campanhas começaram, o número de galinhas livres de gaiolas aumentou de cerca de 60 milhões em 2003, para 128 milhões em 2009 e 207 milhões no ano passado. Nos EUA, o número aumentou de apenas 10 milhões em 2009 para 70 milhões hoje. Contando o impacto nos últimos 10 anos, já são cerca de 1,3 bilhão [Pt. 1,3 mil milhões] de galinhas poupadas a um ano em gaiolas. E aqui estamos contando apenas compromissos já implementados; se compromissos futuros por parte de corporações forem implementados, outras 300 milhões de galinhas ano no mundo deverão ficar livres de gaiolas dentro de uma década.
* - Carne à base de plantas. Há uma década, nenhuma das 50 maiores cadeias de fast food dos EUA vendia carne à base de plantas; hoje nove das 50 principais cadeias de fast food vendem, enquanto as duas maiores, McDonald’s e Subway, estão testando. Nessa época, apenas algumas das 20 maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo produziam carnes ou leites à base de plantas (ou possuíam marcas que produziam); hoje 17 delas produzem, e algumas, como a Nestlé, Conagra e Kellogg’s, estão fazendo grandes investimentos nessa área. Obviamente, que os defensores dos animais não merecem todo o crédito por isso, mas pelo menos inspiraram muitos dos fundadores e dos primeiros investidores na área e ajudaram a promover o aumento da carne à base de plantas.
* - Vitórias legislativas e contenciosas. Décadas de defesa de animais por parte de ativistas europeus resultaram na UE implementando novas proibições de práticas desumanas de abate, de caixotes de gestação para a maior parte da gravidez das porcas e de gaiolas de bateria (“gaiolas enriquecidas” ainda são permitidas). Os defensores dos animais nos EUA ganharam amplas medidas de bem-estar animal nas urnas em Massachusetts e Califórnia, promulgaram leis semelhantes em Mississippi, Oregon e Washington e derrotaram a Emenda King, que teria anulado essas leis. E os litígios apresentados por defensores de animais indianos fizeram com que o governo indiano emitisse novas regras nos mercados de gado e o Supremo Tribunal de Deli emitisse uma moratória nacional para novas gaiolas de bateria — uma ação para a qual os defensores dos animais também conseguiram o apoio da Comissão de Direito da Índia.
* - Mais vitórias face a corporações. Os defensores dos animais garantiram mais de 60 compromissos de corporações para eliminar caixotes para porcas prenhes, incluindo três dos seis maiores produtores de carne suína do mundo — Smithfield Foods (EUA), BRF (Brasil) e CP Foods (Tailândia). E garantiram compromissos de 228 empresas, incluindo Burger King, Subway, Perdue e KFC Europe, para melhorar o bem-estar de frangos de corte em suas cadeias de abastecimento. Se totalmente implementados, esses compromissos irão reduzir o sofrimento de mais de 500 milhões de animais/ano.
* - Atenção aos peixes. Há uma década, poucos ativistas falavam sobre os mais numerosos animais vertebrados mortos para comida: os peixes (e, quando o faziam, os chamavam de gatinhos marinhos). Desde então, os grupos de defesa animal lançaram as primeiras investigações secretas na criação de peixes e garantiram a cobertura do bem-estar dos peixes nos meios de comunicação principais, no Washington Post, Guardian e NPR. Garantiram as primeiras políticas de corporações sobre o bem-estar dos peixes, inclusive dos dois maiores distribuidores do Reino Unido, Tesco e Sainsbury’s; estimularam o desenvolvimento de novos códigos legais nacionais de bem-estar dos peixes, por exemplo, no Canadá e na Holanda; e desencadearam o primeiro debate sobre o bem-estar dos peixes no Parlamento Europeu.
* - Cultivo de carne. Em 2013, o cientista holandês Mark Post apresentou o primeiro hambúrguer cultivado a partir de células perante um público londrino. Apenas seis anos depois, mais de 30 startups estão correndo para apresentar ao mercado a primeira carne ou peixe cultivados. Agora parece provável que pelo menos alguns restaurantes sirvam essa carne, mesmo que a um preço bastante alto, já na próxima década.
* - Sensibilização. Investigadores disfarçados expuseram as condições dos animais em mais de 200 instalações de pecuárial em todo o mundo, levando a milhares de artigos sobre o sofrimento de animais da pecuária. Os cineastas lançaram pelo menos 97 documentários sobre a pecuária industrial, incluindo mais recentemente The Game Changers, com o apoio de importantes celebridades, como Arnold Schwarzenegger, Chris Paul e Jackie Chan. O The Economist proclamou 2019 o “Ano do Vegano”, Yuval Noah Harari chamou a pecuária industrial de “um dos piores crimes da história” e pelo menos oito das 100 celebridades mais bem pagas do mundo defendiam publicamente o veganismo.
* - Política e finanças globais. As 182 nações da Organização Mundial de Saúde Animal aprovaram melhorias (voluntárias e básicas) aos padrões globais de bem-estar animal da Organização, incluindo os padrões de bem-estar dos peixes. Em 2014, um grande banco de desenvolvimento europeu adotou requisitos vinculativos de bem-estar animal para o financiamento de projetos de pecuária, enquanto o braço de financiamento privado do Banco Mundial adotou uma nota de boas práticas voluntárias para o bem-estar animal. A iniciativa Risco e retorno de investimento em animais da pecuária garantiu o apoio de 199 grandes investidores, com 20 trilhões [Pt. 20 biliões] de dólares em ativos sob gestão, pelo seu trabalho de destacar os riscos financeiros criados pela pecuária industrial.
* - Força do movimento. Quando recentemente entrevistei 27 defensores dos animais de longa data — com 586 anos de experiência acumulada no movimento global de defesa dos animais da pecuária — estes relataram grandes melhorias na última década. A principal delas: o movimento se tornou mais profissional e melhor organizado; concentrado em mudanças em larga escala e na quantidade de animais; e mais orientado pelos dados. Também apontaram para a globalização do movimento: há uma década, quase todas as atividades estavam concentradas nos EUA e no norte da Europa, enquanto hoje o movimento abrange as Américas, Europa e Ásia.
* - China. Há uma década, quase não se fazia menção ao bem-estar dos animais da pecuária na China. Desde então, o maior estado produtor de frango da China emitiu regras de abate humanitárias (algo que ainda falta nos EUA para as galinhas); O Ministério da Educação da China acrescentou o bem-estar animal ao currículo veterinário; O vice-ministro da Agricultura da China endossou o bem-estar dos animais da pecuária; um deputado chinês falou pelo bem-estar dos animais no Congresso do Povo; e uma entidade afiliada ao governo emitiu os primeiros padrões (voluntários) de bem-estar animal da China. A Compassion in World Farming premiou 99 criadores chineses de porcos, ovos e galinhas por melhorar o bem-estar de mais de 280 milhões de animais chineses, e dois produtores de suínos comprometidos em eliminar gradualmente os caixotes depois de trabalhar com a World Animal Protection.

Se nada acima o deixou empolgado em doar para a defesa eficaz de animais da pecuária nesta época, esperamos que este adorável porquinho tenha esse resultado. Foto: Christopher Carson.
Está cansado de ganhar?
Estou incrivelmente grato às pessoas — muitos de vocês nesta lista de e-mails — que conduziram esse progresso. Obviamente, é necessário muito mais. Mas espero que nesta época de férias você aproveite um momento para apreciar o progresso que fizemos até agora — e depois reflita sobre como pode ajudar a acelerar esse progresso em 2020 e depois:
- Se você tiver dinheiro, espero que considere fazer uma doação generosa a um grupo de defesa eficaz, por exemplo, através do fundo das instituições de caridade recomendadas pela ACE ou através do Fundo AE do Bem-estar Animal, que administro com outros três AEs da causa animal. (Se você já faz donativos, obrigado!)
- Se você tiver tempo, espero que considere trabalhar ou se voluntariar para um grupo ou startup de defesa eficaz dos animais, buscando alternativas aos produtos de origem animal. (Se você já o faz, obrigado!)
Obrigado por tudo que você está fazendo para impulsionar o progresso contínuo dos animais da pecuária!
Publicado na Open Philanthropy (Newsletter), de 12 de Dezembro de 2019.
Tradução de Ligea Hoki. Revisão de José Oliveira.