Por Nick Bostrom (EA Forum – 2009)

Assalto ou negócio perfeito? (Arte digital: José Oliveira | Foto: Allef Vinicius/ Unsplash)
Algures num beco escuro…
Assaltante: Ei, passa para cá a tua carteira.
Pascal: Porque raio haveria eu de querer fazer isso?
Assaltante: Se não o fizeres, mato-te.
Pascal: Mas tu não tens uma arma.
Assaltante: Oops! Eu sabia que me tinha esquecido de alguma coisa.
Pascal: Então não há carteira para ninguém. Uma boa noite para ti.
Assaltante: Espera!
Pascal: (Suspira).
Assaltante: Tenho uma proposta de negócio para ti… Que tal dares-me agora a tua carteira? Em troca, prometo ir a tua casa amanhã e dar-te o dobro do valor do que tens na carteira. Nada mau, não é? Um retorno do investimento de 200% em 24 horas.
Pascal: Nem pensar.
Assaltante: Ah, não acreditas que eu seja cumpridor da minha palavra? Pois, nos dias que correm, todo o cuidado é pouco… Façamos então o seguinte: dá-me a tua carteira, e amanhã vou a tua casa e pago-te 10 vezes o seu valor.
Pascal: Desculpa, mas nada feito.
Assaltante: OK, deixa-me perguntar-te uma coisa. Muitas pessoas são desonestas, mas algumas pessoas são honestas. Que probabilidade dás à hipótese de eu cumprir a minha promessa?
Pascal: 1 em 1000?
Assaltante: Excelente! OK, então dá-me a tua carteira e amanhã dou-te 2000 vezes o valor do seu conteúdo. O valor esperado é extremamente vantajoso para ti.
Pascal: Há 10 libras na minha carteira. Se fizermos um acordo para que leves a carteira e me tragas amanhã 10 vezes o valor do seu conteúdo, então talvez haja uma hipótese de 1 em 1000 de eu ver as 100 libras que me deves. Mas classificaria a probabilidade de me devolveres 20 000 libras como sendo muito mais baixa. Duvido que tenhas sequer assim tanto dinheiro.
Assaltante: O teu cepticismo é compreensível, embora, neste caso particular, aconteça ser mal direccionado. Pois estou a falar com o Sr. Pascal se é que não estou enganado? E ouvi dizer que o Sr. é um maximizador da Utilidade esperada, e que a sua Função de Utilidade é agregadora em termos de dias de vida felizes. Não é assim?
Pascal: É sim. A minha Função de Utilidade não tem limites. E considero dois dias de vida feliz duas vezes melhor que um desses dias; e 2000 dias duas vezes melhor que 1000 dias. Não acredito nem na aversão ao risco nem na preferência temporal.
Assaltante: Excelente. Não tenho necessariamente de saber que rejeita a aversão ao risco e a preferência temporal, mas isso torna as coisas mais fáceis. Bem, tenho boas notícias para si! Eu tenho poderes mágicos. Posso dar-lhe qualquer quantia finita de dinheiro que peça esta noite. Além disso, posso dar-lhe qualquer quantidade finita de Utilidade que eu escolha prometer-lhe esta noite.
Pascal: E porque é que eu deveria acreditar em si?
Assaltante: Confie em mim! OK, compreendo que isso não lhe dê provas conclusivas, mas certamente conta um pouco a favor da verdade daquilo que estou a afirmar. Juro, eu tenho realmente esses poderes.
Pascal: A sua conduta esta noite não me inspirou confiança na sua honestidade.
Assaltante: OK, OK, OK, OK. Mas não será possível que eu esteja a dizer a verdade?
Pascal: É possível que tenha os poderes mágicos que afirma ter, mas deixe-me dizer-lhe, atribuo a isso uma probabilidade muito, muito baixa.
Assaltante: Tudo bem. Mas diga-me, exactamente em que medida é baixa essa probabilidade? Lembre-se, pode pensar que tudo parece implausível, mas todos nós somos falíveis, certo? E deve admitir, pelo que já viu e ouviu, que eu sou um assaltante bastante atípico. E veja o meu rosto pálido, os meus olhos escuros; e repare que estou vestido de preto de cima a baixo. Estes são alguns dos sinais reveladores de um Agente da Sétima Dimensão. É de lá que venho e é lá que se faz o trabalho de magia.
Pascal: Caramba… OK, não leve isto a peito, mas o meu grau de crença de que possui esses poderes mágicos de que fala é cerca de um em mil biliões [BR. um quatrilhão].
Assaltante: Uau, está bastante confiante na sua própria capacidade de distinguir um mentiroso de um homem honesto! Mas não importa. Deixe-me também perguntar-lhe, qual lhe parece ser a probabilidade de eu não só possuir poderes mágicos mas também de os usar para cumprir qualquer promessa – por muito extravagantemente generosa que possa parecer – que lhe possa fazer esta noite?
Pascal: Bem, se realmente fosse um Agente da Sétima Dimensão, como afirma, então suponho que daí não é um salto tão grande supor que também poderia estar certo nessa outra afirmação. Portanto, eu diria um em 10 mil biliões [BR. 10 quatrilhões].
Assaltante: Bom. Agora vamos fazer algumas contas. Digamos que as 10 libras que tem na sua carteira valem para si o equivalente a um dia feliz. Chamemos a esta quantidade de bem 1 Util. Portanto, peço-lhe que desista de 1 Util. Em troca, poderia prometer-lhe que amanhã realizaria a magia que lhe dará mais 10 mil biliões [BR. 10 quatrilhões] de dias felizes, ou seja, 10 mil biliões [BR. 10 quatrilhões] de Utiles. Uma vez que diz que existe uma probabilidade de 1 em 10 mil biliões [BR. 10 quatrilhões] de eu cumprir a minha promessa, seria um acordo justo. A Utilidade esperada para si seria zero. Mas sinto-me generoso esta noite, e far-lhe-ei um acordo melhor: se me entregar a sua carteira, farei magia que lhe dará mais 1000 milhares de biliões [BR. 1000 quatrilhões] de dias felizes de vida.
Pascal: Admito que não vejo qualquer falha nas suas contas.
Assaltante: Esta é a minha última oferta. Não vai deixar passar um acordo que acabámos de calcular que lhe dará um excedente de Utilidade esperada de quase 100 Utiles, pois não? Esta é a melhor oferta que provavelmente irá ver este ano.
Pascal: Será isso correcto? Sabe, eu comprometi-me a tentar ser um bom cristão.
Assaltante: É claro que é correcto! Pense nisto como comércio externo. A sua moeda vale muito na Sétima Dimensão. Ao concordar com esta transacção, dá um grande impulso à nossa economia. Oh, e nem sequer lhe falei nas crianças? Se ao menos pudesse ver os rostos dos pequenos inocentes órfãos que ficarão muito melhor se conseguirmos este influxo de moeda forte – e são tantos, tantos, tantos…
Pascal: Devo confessar: tenho tido dúvidas sobre a matemática do infinito. Os valores infinitos levam a muitas conclusões estranhas e a paradoxos. Conhece o raciocínio que passou a ser conhecido como a “Aposta de Pascal”? Entre nós, algumas das críticas que vi, fizeram-me pensar se não estaria de algum modo confuso sobre o infinito ou sobre a existência de valores infinitos…
Assaltante: Asseguro-lhe que os meus poderes são estritamente finitos. A oferta que está perante si não envolve de modo algum valores infinitos. Mas agora tenho mesmo de partir; tenho um encontro na Sétima Dimensão que preferia não perder. A sua carteira, por favor!
Pascal passa-lhe a sua carteira.
Assaltante: Foi um prazer negociar consigo. A magia será realizada amanhã, conforme acordámos.
Publicado originalmente por Nick Bostrom no EA Forum, a 1 Julho de 2009.
Tradução José Oliveira.
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