Será que as melhores instituições de caridade são as que têm os custos gerais mais baixos?

Por Alana Horowitz Friedman (Giving What We Can)

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Como doar eficazmente? (Arte digital: José Oliveira | Fotografia: Jackson David / Shahadat Rahman)

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Eu costumava ser extremamente céptica relativamente a doações para a caridade. Queria ajudar os outros, mas receava que as minhas doações para a caridade pudessem estar a fazer pouco mais do que aliviar a minha própria culpa. Afinal, como poderia eu saber se o meu dinheiro estava realmente a fazer alguma coisa? A enorme quantidade de correspondência, autocolantes e cartões de felicitações que chegavam de instituições de caridade pelo correio, às quais nem sequer doei, certamente não inspiravam confiança; porque é que as instituições de caridade estavam a gastar fundos preciosos em correspondência não solicitada, ao mesmo tempo que lançavam “apelos urgentes de financiamento” a torto e a direito?

Como não tinha a certeza de como avaliar o impacto dos programas da caridade, em vez disso, concentrava-me nos hábitos de despesa da instituição de caridade: por outras palavras, usava o Charity Navigator, ou um site semelhante, para pesquisar a percentagem de fundos gastos directamente nos programas de caridade vs. nos custos administrativos/salário do Director Executivo. Dizia a mim própria que as instituições de caridade que mais gastam nos seus programas devem ser melhores do que aquelas que gastam mais em despesas gerais.

Certamente não estava sozinha no meu método de escolha de instituições de caridade. Muitos doadores utilizam esta relação (destacada por vários sites de avaliação de instituições de caridade) a fim de determinar para onde doar. E faz sentido, a nível superficial, especialmente porque é bastante comum juntar instituições de caridade no mesmo saco do “fazer o bem”, sem parar para considerar as diferenças entre elas. Se acreditarmos que todos os programas de caridade estão a fazer quantidades de bem aproximadamente iguais, então aquelas que canalizam mais dinheiro para os seus programas de “fazer o bem” devem certamente ser melhores do que aquelas que canalizam menos dinheiro para esses mesmos programas.

Certo? Errado. Embora ainda continue a ser céptica em relação àquilo a que chamarei “a estratégia da correspondência” das campanhas de caridade, já não acredito que a relação entre os custos administrativos de uma instituição de caridade e os custos dos programas seja uma boa forma de determinar se as minhas doações farão a diferença. Este artigo irá explicar porquê.

Dito isto, antes de entrar nos pormenores, quero clarificar um ponto importante: o facto de ter desfeito aquilo a que muitas vezes se chama “o mito das despesas gerais” não significa que tenha perdido o impulso de questionar para onde vai a minha doação. Na realidade, agora que sei que a avaliação de uma instituição de caridade é mais do que simplesmente analisar os seus hábitos de despesa, tornei-me de facto muito mais exigente quanto ao destino da minha doação. Como resultado, estou mais confiante de que as causas e as instituições de caridade que escolho apoiar estão realmente a fazer a diferença.

Qual é o mito das despesas gerais e porque é que isso importa?

Resumidamente, “o mito das despesas gerais” é a crença errada (mas amplamente defendida) de que as instituições de caridade com custos gerais mais baixos são mais eficazes.

Isto é importante porque a maior parte de nós faz doações para ajudar as pessoas, a sociedade, ou o mundo de uma determinada forma. Encontrar uma forma mais rigorosa de determinar que instituições de caridade melhor nos ajudam a atingir esses objectivos é certamente útil.

Assim, caso tenha utilizado — ou pessoas que conhece — a relação custos gerais vs. programas como medida da eficácia de uma instituição de caridade, aqui estão algumas razões para reconsiderar essa abordagem.

Porque é que os custos gerais não são uma boa medida do impacto de uma instituição de caridade?

Antes de mais, os “custos gerais” não nos dizem nada sobre o resultado dos programas da caridade. Para determinar se as nossas doações terão impacto, precisamos de saber o que irá acontecer como resultado da doação, e depois escolher a opção que mais ajuda os beneficiários. Embora os custos gerais devam certamente manter-se razoáveis, há vários problemas em confiar na relação de custos gerais para determinar o impacto de uma instituição de caridade:

Os custos gerais não consideram as diferenças na eficácia dos programas

Nem todos os programas de caridade são igualmente eficazes. Talvez a questão mais óbvia na escolha de instituições de caridade com base nos seus custos gerais seja o facto de estarmos a negligenciar o que estas instituições de caridade estão realmente a fazer, e se isso é impactante.

Will MacAskill, um co-fundador da Giving What We Can, dá um exemplo engraçado (mas que nos abre os olhos) no Capítulo 7 do seu livro Doing Good Better. Pede ao leitor que imagine que criou “uma instituição de caridade que distribui donuts a polícias famintos”. No exemplo de MacAskill, a maioria dos fundos dos doadores são gastos directamente no próprio programa — comprando e distribuindo donuts — e apenas 0,1 por cento é gasto em despesas gerais. Pergunta então ao leitor: “Será que eu teria realmente criado uma instituição de caridade espantosa? Seguramente… o que nos deve preocupar, em última análise, é o impacto que as instituições de caridade têm. Quando se dá cem dólares a uma instituição de caridade… como é que a vida das pessoas melhora como resultado disso?”. (MacAskill p.108).

Pode-se pensar que é bastante óbvio saber se os programas de caridade valem ou não a pena, e que seria capaz de ficar a saber simplesmente ao ler um pouco sobre aquilo que faz a instituição de caridade. Afinal, depois de ouvir a descrição da instituição de caridade de donuts de MacAskill, é provável que saiba que existem melhores opções para onde canalizar o seu dinheiro que lhe custou a ganhar!

Mas a eficácia do programa nem sempre é tão simples, ou intuitiva. Há inúmeros exemplos de instituições de caridade que parecem incríveis no papel mas que acabam por fazer muito pouco para melhorar a vida dos outros — ou mesmo, em alguns casos, acabam por causar sérios danos. É por isso que é importante examinar de perto as provas que fundamentam os programas desenvolvidos por uma instituição de caridade, em vez de confiar apenas na descrição ou no marketing do programa. Profundas diferenças na eficácia do programa e outros factores, simplesmente não são captadas pela análise das despesas gerais, e podem acabar por fazer com que uma instituição de caridade seja dezenas ou mesmo centenas de vezes melhor do que outra.

Pode não fazer sentido separar as “despesas gerais” dos “custos do programa”, uma vez que esta distinção não é clara

Estamos habituados a pensar nas despesas gerais e nos custos dos programas como duas categorias de despesas muito distintas. Mas se realmente pararmos para examinar o que são despesas gerais, esta separação começa a desfazer-se. De facto, sem despesas gerais, não haveria qualquer despesa com programas! Porquê? Porque “despesas gerais” são simplesmente as pessoas, os recursos e as ferramentas necessárias para gerir uma organização. Para gerir eficazmente os seus programas, uma organização precisa de contratar pessoas talentosas para a manter a funcionar (no geral!) e para angariar fundos necessários para os seus programas (também no geral!) Se uma organização não funcionar eficazmente, não será capaz de gerir bem os seus programas. A que se deve então a insistência de que as instituições de caridade devem gastar o mínimo possível em despesas gerais?

Parte disso pode ter a ver com uma concepção errada de que a regra empresarial de “gastar dinheiro para ganhar dinheiro” não se aplica no sector sem fins lucrativos. Dan Palotta tentou desfazer esse equívoco numa palestra TED em 2013, e pouco tempo depois, alguns reputados avaliadores de instituições de caridade aparentemente tentaram corrigir a sua adopção e promoção do mito das despesas gerais. No entanto, apesar de alguns movimentos dentro dessas organizações para se concentrarem mais no impacto, parece que esta mudança ainda não se concretizou. O Charity Navigator, por exemplo, ainda utiliza percentagens de programas, administração e despesas de angariação de fundos como parte da classificação da “saúde financeira” de uma instituição de caridade. A organização reconhece que “instituições de caridade eficazes devem recrutar, desenvolver e reter pessoas talentosas”, mas também declaram que “os doadores apoiam instituições de caridade pelos seus programas e serviços, não pela sua capacidade de angariar dinheiro”.

Embora isso seja seguramente verdade, é como dizer que os agricultores são úteis pela sua capacidade de fornecer alimentos às pessoas, não pela sua capacidade de cultivar. Uma vez que a sua capacidade de cultivar afecta directamente a sua capacidade de fornecer alimentos, esta afirmação não faz muito sentido. A menos que uma instituição de caridade apenas fizesse angariação de fundos para cobrir o custo do pessoal da angariação de fundos (o equivalente na nossa metáfora a um agricultor que apenas cultiva sem quaisquer planos de distribuição), os doadores e avaliadores de instituições de caridade deveriam reconhecer que mais dinheiro angariado significa frequentemente mais dinheiro canalizado para os programas/serviços de uma instituição de caridade!

Muito se tem escrito sobre os perigos das instituições de caridade que escamoteiam as despesas gerais para satisfazer as expectativas dos doadores. Já abordámos a conhecida palestra TED de Dan Palotta, que entra em detalhes sobre alguns desses perigos. Jonathan Meer, num artigo de 2017, escreve que demasiada concentração dos doadores em despesas gerais “pode levar as instituições de caridade a sub-investir em infra-estruturas operacionais cruciais, especialmente trabalhadores qualificados, diminuindo assim a sua capacidade de prestação de serviços”. Este tópico é também explorado num artigo intitulado “O ciclo da fome das organizações sem fins lucrativos“, no qual os autores abrem com a declaração: “As organizações que constroem infra-estruturas robustas — que incluem sistemas informáticos robustos, sistemas financeiros, formação de competências, processos de angariação de fundos e outras despesas gerais essenciais — têm mais probabilidades de sucesso do que as que não o fazem. Isto não é novidade e as organizações sem fins lucrativos não são excepção à regra”. De facto, verifica-se que algumas organizações sem fins lucrativos até se envolvem em relatórios enganosos ou significativamente abaixo das suas despesas gerais, provavelmente devido a expectativas rígidas (e equivocadas) dos doadores.

E se as despesas gerais fossem uma boa forma de medir a eficácia de uma instituição de caridade?

Mesmo que a análise da relação entre despesas gerais e despesas com programas nos ajudasse a tomar decisões informadas sobre a escolha de instituições de caridade (e espero que neste momento concorde que não é esse o caso), essa forma de medir pouco contribui para reduzir as nossas opções de doação. O resultado de tantas instituições de caridade a esforçarem-se por satisfazer as expectativas das despesas gerais (seja através de despesas insuficientes, relatórios enganosos, ou ambos) é que um número esmagador de organizações — que diferem muito na sua eficácia — faz alarde de custos administrativos baixos. Mais de 250 instituições de caridade são listadas pelo site Charity Watch como sendo “de primeira categoria”, uma classificação que necessita (entre outros critérios) de gastar pelo menos 75% do seu orçamento em programas. Assim, mesmo que assumíssemos que as despesas gerais baixas seriam uma boa forma de determinar para onde doar, ainda assim precisaríamos de uma abordagem para decidir entre todas as instituições de caridade que cumprem esses critérios.

Curiosamente, o site CharityWatch reconhece isso, afirmando na sua página “As Melhores Instituições de Caridade”, “Visto que são muitos os factores que determinam o valor de uma instituição de caridade, na CharityWatch sugerimos que utilize as classificações desta página não como o único factor determinante na sua decisão, mas sim como uma ajuda”. Infelizmente, a página não menciona quais poderiam ser esses outros factores, nem fornece informações sobre o factor (provavelmente) mais importante para determinar a eficácia de uma instituição de caridade — o impacto dos programas da instituição de caridade.

Portanto, é evidente que precisamos de uma abordagem melhor a fim de determinar para onde doar.

Relação custo-eficácia: tudo o que pensava que eram despesas gerais e mais

Se ainda está agarrado à ideia de que as despesas gerais devem dizer-nos algo sobre a eficácia de uma instituição de caridade, não está sozinho. As organizações não devem certamente gastar tanto para se manterem à tona de maneira a que venha a sobrar tão pouco para aquilo que dizem estar realmente a fazer, porque então a nossa modesta doação poderá não ajudar aqueles que precisam. Por outras palavras, a maioria de nós é atraída pelo mito das despesas gerais devido à intuição de que devemos garantir que o nosso dinheiro está realmente a apoiar a causa de uma forma concreta.

Esta intuição é absolutamente correcta; mas a análise das despesas gerais simplesmente não é a forma de abordar a questão. Explorámos como o dinheiro doado a instituições de caridade com baixos custos gerais pode de facto fazer muito pouco para apoiar uma causa em particular — especialmente se os programas forem ineficazes — e como as instituições de caridade com custos gerais mais elevados podem de facto fazer muito para apoiar uma causa em particular, especialmente quando esses custos acabam por canalizar mais fundos para programas de alto impacto. Assim, em vez de olharmos para as despesas gerais para determinar onde é que o nosso dinheiro vai mais longe, podemos usar uma medida mais precisa: a relação custo-eficácia.

Se a Instituição de Caridade A e a Instituição de Caridade B forem igualmente impactantes, e a Instituição de Caridade A gastar menos em geral, então a Instituição de Caridade A seria mais custo-eficaz. Por outras palavras, se puder ter o mesmo impacto gastando menos dinheiro, então as minhas doações irão mais longe. Olhar para a relação custo-eficácia de uma organização significa comparar as suas despesas globais (em programas e em custos administrativos) com o seu impacto, o que significa que as despesas gerais já são normalmente tidas em conta!

Métricas para uma doação eficaz

Sem medidas de avaliação simples como as despesas gerais, a tarefa de avaliação da instituição de caridade torna-se muito mais difícil. (Talvez seja por isso que tantos reconhecidos avaliadores de instituições de caridade escolhem concentrar-se nos hábitos de despesas; caso classificassem o impacto dos programas de caridade — uma tarefa que requer bastante mais investigação — provavelmente não seriam capazes de fornecer classificações para o mesmo número de organizações).

Mas esta é uma área em que não faz sentido optar pela quantidade em detrimento da qualidade. Visto que há tantas pessoas necessitadas, é incrivelmente importante que os nossos recursos limitados estejam realmente a ajudar! Portanto, vamos certificar-nos de que as métricas que estamos a utilizar para determinar a eficácia sejam tão fiáveis quanto possível.

A GiveWell, uma avaliadora de instituições de caridade que se concentra no impacto dos programas, adopta a abordagem de identificar programas promissores baseados em provas e depois recomenda instituições de caridade que os implementem bem, um método que produz fantásticas oportunidades de doação. Para além de consultar organizações como a GiveWell, podemos também utilizar abordagens como a que é explorada na nossa página de escolha de instituições de caridade, que é resumida brevemente abaixo (e na qual as instituições de caridade recomendadas pela GiveWell pontuam bastante bem!). Pode também encontrar organizações de grande impacto que pontuam bem nessa abordagem através da nossa página As melhores Instituições de Caridade de 2022 e através da The Life You Can Save.

Uma abordagem para uma doação eficaz:

  1. Será que a instituição de caridade trabalha numa área de causa de alto impacto?

Uma causa de alto impacto é geralmente grande em escala, tratável, e relativamente negligenciada. Por outras palavras, tem o potencial de ter um impacto significativo num grande número de pessoas (escala), oferece uma hipótese razoável de progredir com sucesso (tratável), e necessita de financiamento/recursos (negligenciada).

  1. Os programas da instituição de caridade são apoiados por provas rigorosas?

As instituições de caridade que utilizam provas para avaliar a eficácia dos seus programas são mais susceptíveis de ter um verdadeiro impacto, em vez de acabarem na categoria “parece incrível no papel mas faz pouco/potencialmente causa danos”.

  1. A instituição de caridade é custo-eficaz?

Uma instituição de caridade é custo-eficaz se o seu impacto for muito superior ao seu custo; por outras palavras, se conseguir muito por relativamente pouco. Tal como não gastaria 5000 dólares num café quando pode obter a mesma chávena por 5 dólares, queremos escolher instituições de caridade que façam o melhor uso dos nossos limitados recursos. É claro que esta última métrica nem sempre é tão simples. Muitas políticas/programas não se prestam ao padrão de excelência das medidas de impacto, como é o caso dos estudos aleatórios controlados, e isso não deveria ser necessariamente uma razão para os descartar completamente! Uma vez que a realidade é complexa e o futuro nem sempre é previsível, a utilização de uma variedade de ferramentas para calcular a relação custo-eficácia, incluindo conceitos como a doação baseada em êxitos e o valor esperado, ajuda-nos a tomar decisões mais informadas acerca da relação custo-eficácia.


Portanto, não, olhar para as despesas gerais provavelmente não é a melhor maneira de determinar para onde doar. No entanto, existem muitos outros factores de excelência na caridade (como os descritos na abordagem acima) que fazem um melhor trabalho reduzindo o número esmagador de opções existentes, para podermos estar confiantes de que estamos verdadeiramente a ajudar a(s) causa(s) que nos preocupa(m). Feliz doação!

 

1. https://www.charitynavigator.org/index.cfm?bay=content.view&cpid=35

2. https://www.charitywatch.org/top-rated-charities

Publicado originalmente por Alana Horowitz Friedman no blogue da Giving What We Can, a 31 de Janeiro de 2023.

Tradução de José Oliveira.


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