Ganhar para poupar (Doe 1%, Poupe 10%)

Raemon (EA Forum — 2018)

.

PouparDar

Ganhar para poupar, para dar? (Arte digital: José Oliveira | Fotografias: Andre Taissin e Rachel Walker)

.

Alegação: As pessoas, quando se envolvem no altruísmo eficaz, deveriam ser encorajadas a levar a cabo uma acção comum, por defeito, que é “Ganhar para Poupar”. Isto significa, especificamente, o seguinte:

  • Doar cerca de 1% daquilo que tem disponível do seu rendimento (depois de pagar a renda [BR. aluguel] da casa e as principais despesas necessárias),
  • Ter como objectivo poupar pelo menos 10% do seu rendimento líquido. 

A longo prazo, se não estiver a planear mudar o rumo da sua carreira, ganhar para doar 10% continua a ser desejável.

Mas isso deve ser depois de se certificar de que está no bom caminho face à segurança financeira, com uma boa margem de manobra, e depois de ter considerado opções que iriam exigir muito tempo livre para aprender novas competências, ou para encontrar um novo projecto/organização.

[Actualização: a 80.000 Hours essencialmente já recomenda isso às pessoas até terem 6 a 12 meses de margem de manobra. Por isso, penso que as minhas alegações aqui são essencialmente as seguintes: a) esta mensagem deveria ser mais destacada, e b) penso que 6 a 12 meses não é realmente o suficiente, 12 a 36 meses é melhor, e penso que deveria ser uma margem de manobra confortável, e não deveria ser “viver na cave dos seus pais”, por razões apresentadas neste comentário)].


Razões que me levam a pensar assim:

  • As opções por defeito são boas – O envolvimento no domínio do AE é intenso e confuso. Há muito a aprender, as melhores práticas estão constantemente a mudar ao longo do tempo. É psicologicamente útil ter uma opção simples, por defeito, que se possa tomar e que comunique claramente (a si mesmo e aos outros), que está a levar a sério o AE. (E depois, a longo prazo, à medida que se aprende mais, é possível agir de forma mais complexa).
  • “Doar 10%” é impraticável como opção por defeito – Há demasiadas pessoas que não estão, de facto, em condições financeiras suficientemente boas, condições nas quais penso que faz sentido assumir o compromisso da Giving What We Can. E para muitos estudantes, o compromisso muitas vezes não faz sentido porque ainda não pensaram bem nas opções da sua carreira a longo prazo. É um compromisso demasiado grande, numa altura em que as pessoas têm muito pouca informação.
  • Ter uma folga financeira é importante, tanto a nível individual como a nível da comunidade
    • Quando as pessoas não têm recursos de reserva, torna-se mais difícil tirar partido de oportunidades repentinas (como aceitar um novo emprego, deixar um emprego terrível para procurar um novo, mudar-se para uma nova cidade, ou fazer uma pausa de um ano para estudar uma nova competência importante).
    • Ter muitas pessoas que não têm recursos de reserva pode criar crises de recursos que afectam uma comunidade. Algumas comunidades presenciais do AE desempenham um papel informal valioso na ajuda a membros que estão a passar por tempos difíceis (despedimento, crise de saúde mental, etc.). Por vezes através de empréstimos directos, outras vezes apenas por dispor de um quarto ou de um sofá a mais. No entanto, as pessoas só podem tomar conta umas das outras até um certo ponto.
    • Caso não tenha uma boa acumulação de poupanças, então:
      • No momento em que se depara com uma crise, pode ser necessário apelar aos recursos das pessoas à sua volta, e se demasiadas pessoas precisarem disso ao mesmo tempo, a comunidade não os pode apoiar sem que isso, a longo prazo, cause stress e esgotamento. 
      • Caso outros AE, ou pessoas à sua volta, se deparem com uma crise, não será capaz de os ajudar.
  • Muitos percursos valiosos do AE requerem fazer uma pausa para pensar, ou aprender, ou fundar um projecto.
    • As organizações AE existentes enfrentam sérias lacunas face a um conjunto de competências específicas. Para adquirir essas competências pode ser necessário tirar um tempo para aprendizagem/formação, ou pagar a formação académica, ou mudar de carreira para que possa aprender ao realizar determinado trabalho (o que requer tempo para procurar emprego).
    • Lembro-me de uma história [a citação é necessária?] em que certas pessoas ganhavam muito dinheiro a trabalhar num fundo de investimento. Ouviram falar do AE, ficaram entusiasmados e doaram tudo. Depois decidiram que queriam deixar de trabalhar no fundo de investimento e fazer algum trabalho directo, e deram início a um novo projecto relacionado com a pobreza global. Deram meia volta e pediram à comunidade AE que fizesse doações e lhes permitisse iniciar esse projecto. E… isto foi simplesmente a forma errada de o fazer. Caso tenha um milhão de dólares, um dos sentidos de poder doar tanto é poder direccioná-lo para o financiamento de projectos em fase inicial. Quando se é um projecto em fase inicial, pode simplesmente financiar-se a si próprio.
    • Em “Critch on Taking AI Seriously” [“Queixas sobre levar a sério a IA”], discuto a possibilidade de simplesmente tirar um tempo para pensar, para mergulhar em todos os problemas e cenários mais importantes. Dê a si próprio o tempo suficiente para pensar profundamente sobre o assunto e desenvolver um plano.
  • Há oportunidades para converter dinheiro em tempo ou outros recursos.
    • Precisar de contar os trocos não é a melhor situação quando se trata de coisas importantes que podem multiplicar a sua produtividade ou dar-lhe mais tempo. Algumas formas de transformar dinheiro em recursos, incluem (copiado de “Queixas sobre levar a sério a IA”):
      • Comprar um monitor maior, um iPad, ou mesmo um grande caderno de papel e caneta para que tenha mais “exo-cérebro” para pensar. Um ser humano só pode de facto reter sete coisas na sua cabeça de uma só vez, mas ter coisas escritas externamente torna mais fácil manter um registo maior.
      • Pagar táxis que lhe dão tempo para pensar e escrever durante a viagem.
      • Pagar pela entrega de comida em vez de a fazer ou de sair.
      • Pagar a assistentes pessoais que lhe possam fazer uns biscates ocasionais. (Para que isto fosse vantajoso, foi necessário muita prática – algumas coisas revelaram-se difíceis de sub- contratar, e gerir pessoas requer uma habilidade especial. Mas se conseguir dedicar algum tempo a experimentar, aprender e procurar o assistente certo, vale muito a pena).
      • Pagar a um treinador pessoal para o ajudar a fazer exercício físico, visto que o exercício é bastante importante em geral.
  • Talvez simplesmente queira, como é óbvio, ter poupanças para a reforma. 
  • Doar 1% e Poupar 10% ainda assim irá colocá-lo no bom caminho para doar mais, e reservar dinheiro para algum tipo de uso sério e ponderado.

Por todas estas razões, penso que os recursos de introdução ao AE devem enfatizar um pouco mais a segurança financeira.


Publicado originalmente por Raemon no EA Forum, a 28 de Novembro de 2018

Tradução de José Oliveira.


Descubra mais sobre Altruísmo Eficaz

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário