Manter os valores absolutos em mente

Por Michelle Hutchinson (EA Forum, 2018) 

.

Ajuda e valor

Na ajuda, o que vale mais? (Arte digital: José Oliveira | Fotografia: J Lee; Diego PH)

.

Como altruístas eficazes, é frequente concentrarmo-nos no valor relativo das diferentes formas de ajudar os outros. Concentramo-nos no facto de determinadas instituições de caridade serem mais eficazes do que outras, ou no facto de determinadas profissões terem mais impacto do que outras. Isso faz bastante sentido: há grandes diferenças de eficácia entre as intervenções, pelo que ficar meramente pelo satisfatório pode levar-nos a perder muito valor. Mas, no final de contas, o que importa realmente não é relativo: é o valor absoluto que as nossas acções geram. O que importa é o número de crianças que realmente são desparasitadas e o aumento real da segurança mundial pelas melhorias feitas nas políticas no domínio da tecnologia. Ter isso em mente pode ser importante para nos mantermos motivados e para valorizarmos o trabalho que os outros fazem. 

Pode parecer que o facto de nos concentrarmos no valor relativo não é problemático, mesmo que não seja aquilo que realmente importa. Mas ao fazê-lo, negligenciamos um dos aspectos mais interessantes do altruísmo eficaz: o facto de cada um de nós poder ter um impacto extraordinário na melhoria da vida dos outros. Se pensarmos apenas no impacto comparativo das acções, podemos ignorar este facto. Digamos que me candidato ao emprego que penso que terá o maior impacto, mas não consigo obtê-lo. Mais tarde, em vez de pensar no impacto que estou a ter, fico a pensar que o meu emprego actual tem muito menos impacto do que aquele a que me candidatei. Ou talvez trabalhe na tentativa de reduzir os riscos de pandemia. Embora consiga reduzir os riscos de pandemia, a redução parece minúscula quando comparada com a gigantesca redução de riscos que o Presidente poderia alcançar. Em ambos os casos, é provável que me sinta desmotivada com o meu trabalho. Da mesma forma, se fossem outras pessoas a desempenhar essas funções, a minha atenção, ao centrar-se nas comparações, poderia impedir-me de valorizar devidamente o trabalho que estão a fazer. 

O facto de nos concentrarmos no valor relativo pode também levar-nos a negligenciar possíveis custos. Ao comprar uma casa, as pessoas tendem a mudar para um comportamento em que poupar mais 100 libras parece menos importante do que seria em circunstâncias normais. Do mesmo modo, em grandes organizações (tais como universidades) onde os custos das actividades são elevados, pode haver um pressuposto de que os custos gerais adicionais não são importantes, desde que sejam pequenos em relação às actividades principais. No entanto, em termos absolutos, esses custos podem representar milhares de libras.

Tal como nos casos mencionados acima, pode ser útil pensar mais sobre os benefícios absolutos que as nossas acções produzem. Isso pode significar simplesmente tentar tornar o valor mais evidente ao pensar nele. Os 10% do meu rendimento que doo é um valor muito inferior face a alguns dos meus amigos. Mas pensar no facto de que, ao longo da minha vida, poderei fazer o equivalente a salvar mais de uma pessoa de morrer de malária, para mim continua a ser absolutamente incrível. Calcular os efeitos com mais pormenor pode ser ainda mais poderoso – neste caso, pensar especificamente a quantas vidas salvas equivalem todas as minhas doações ao longo da minha carreira. Da mesma forma, quando nos pedem para pagar uma taxa, pensar em quantos mosquiteiros contra a malária essa taxa poderia comprar torna realmente claro o valor perdido devido à taxa. Isto pode ser útil se precisar de motivação para resistir ao pagamento de despesas gerais desnecessárias (embora, noutros casos, fazer o cálculo possa ser desnecessariamente stressante!)

Nos casos em que o impacto é mais difícil de determinar, como no caso de quem trabalhe na preparação face a uma pandemia, pode ser útil tornar o impacto mais concreto para si próprio. Isso pode ser feito pensando especificamente na forma como o futuro poderá ser melhor graças a si, ou pensando em formas como um trabalho historicamente semelhante melhorou o mundo

Para que o altruísmo eficaz seja bem sucedido, precisamos de pessoas que desempenhem um grande número de papéis diferentes – desde ganhar para doar até à política e desde fundar alguma ONG até entrar para a OMS. A maioria de nós não sabe qual é a melhor carreira para si. Isso significa que precisamos de nos candidatar a uma série de lugares diferentes para encontrarmos o nosso lugar. Depois, temos de manter a nossa motivação, mesmo que o lugar onde acabemos por ficar não seja aquele que pensámos que teria mais impacto à partida. Esperemos que, ao lembrarmo-nos do valor absoluto de cada vida salva e de cada dor evitada, possamos construir o tipo de comunidade grata e solidária que permita a cada um de nós fazer a sua parte, não tristemente, mas alegremente.


Publicado originalmente por Michelle Hutchinson no EA Forum, em 21 de Outubro de 2018.

Tradução de José Oliveira.


Descubra mais sobre Altruísmo Eficaz

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário