Como Doar um Milhão de Dólares?

Por Peter Singer (Project Syndicate)

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1 milhão de dólares, para onde doar? (Arte digital: José Oliveira | Fotografias: Pixabay)

O autor há muito tempo que argumenta que doar para salvar vidas, restaurar a visão ou permitir que uma família escape à pobreza extrema contribui para um bem maior do que doar a um museu ou à ópera. Agora, tendo decidido não ficar com qualquer quantia do dinheiro que acompanha o Prémio Berggruen de Filosofia e Cultura, coloca o seu argumento à prova.

Recentemente foi anunciado que sou o vencedor do Prémio Berggruen de Filosofia e Cultura de 2021, um prémio anual de 1 milhão de dólares por “conquistas notáveis no desenvolvimento de ideias que transformem o mundo”. Estou, naturalmente, muito satisfeito pelo facto do meu trabalho ter sido reconhecido por fazer aquilo que sempre esperei que fizesse: mudar o mundo para melhor. Sinto-me honrado por me juntar aos ilustres vencedores anteriores, dos quais os mais recentes são Martha Nussbaum, Ruth Bader Ginsburg e Paul Farmer, e estou grato a Nicolas Berggruen pelo seu interesse e apoio – muito raros entre os investidores ricos – à filosofia e às ideias. 

Quando a emoção da notícia acalmou, comecei a pensar no que iria fazer com o dinheiro. Não demorei muito tempo para decidir doá-lo. 

Em primeiro lugar, a minha esposa e eu reconhecemos que temos dinheiro suficiente para viver confortavelmente e fazer as coisas que realmente nos interessam, e temos a ideia de que os nossos filhos estão numa posição semelhante. Claro que ajuda o facto de viverem na Austrália e que, ao contrário de grande parte do mundo, tenham água potável, cuidados de saúde gratuitos ou acessíveis e educação gratuita para os seus filhos. 

Além disso, sou bem conhecido por argumentar que, tal como seria errado deixar uma criança afogar-se num lago pouco profundo por não se querer estragar um par de sapatos caros, também é errado gastar dinheiro em luxos que poderiam impedir as crianças de morrerem de malária ou de outras condições comuns que todos os anos causam a morte de milhões de crianças de famílias de baixos rendimentos. Tendo isso em conta, como poderia justificar o uso do dinheiro do prémio para comprar artigos de luxo para mim ou para a minha família? 

Há cerca de dez anos, fundei a The Life You Can Save, uma instituição de caridade que divulga a mensagem de que é surpreendentemente fácil para a maioria das pessoas em países ricos fazer uma enorme diferença em relação àqueles que vivem em pobreza extrema em países de baixos rendimentos. A The Life You Can Save actualmente recomenda 23 instituições de caridade que foram avaliadas de forma independente, concluindo-se que proporcionam uma extraordinária relação custo-benefício a salvar e a melhorar as vidas de pessoas em pobreza extrema. 

Decidi doar metade do dinheiro do prémio à The Life You Can Save. Faço-o porque nos últimos três anos, cada dólar gasto pela The Life You Can Save gerou uma média de 17 dólares em doações para as organizações sem fins lucrativos que recomenda. (Para me antecipar aos cínicos, vou acrescentar que nunca tirei um cêntimo da organização). 

Mas não vou doar o dinheiro todo do prémio para ajudar as pessoas em pobreza extrema. Há mais de 50 anos, soube que muitos dos animais cuja carne eu comia nessa época estavam condenados a vidas miseráveis, amontoados nos barracões sombrios da pecuária industrial. Tornei-me vegetariano e escrevi o livro Libertação Animal, que por sua vez contribuiu para a ascensão do movimento moderno pelos direitos dos animais. A pecuária industrial continua a ser horrível, explorando impiedosamente, por ano, dezenas de milhares de milhões de animais terrestres e um gigantesco número de peixes. A produção animal representa também um grande contributo para as mudanças climáticas e aumenta o risco de pandemias. Portanto, planeio doar mais de um terço do dinheiro a organizações que lutam contra a pecuária industrial e que são recomendadas como eficazes pelos Animal Charity Evaluators

Restará ainda algum dinheiro e para isso convido-o a ajudar-me a decidir sobre a distribuição, com base na abordagem ética delineada no livro The Life You Can Save, que está disponível gratuitamente como e-book e audiolivro no site da organização, onde me poderá dar a conhecer a sua opinião.

E que tal outras opções? Devo doar a organizações que defendam uma transição mais rápida para emissões de gases de efeito estufa próximas do zero? Pensei nisso, mas decidi que o número de organizações que já trabalham nisso reduz as probabilidades da minha contribuição fazer uma diferença significativa. Alguns altruístas eficazes ponderados apelam a que nos concentremos em reduzir os riscos de extinção. Mas as incertezas sobre como atingir esse objectivo são tão grandes que prefiro doar a projectos para os quais as probabilidades de realizar algo de positivo sejam muitíssimo maiores. 

Estou confiante de que doar para salvar vidas, restaurar a visão ou permitir que uma família escape à pobreza extrema contribui para um bem maior do que doar a um museu ou à ópera. Outras comparações são mais difíceis. Como é que salvar um milhão de galinhas de vidas amontoadas em gaiolas de arame se compara com retirar uma dúzia de famílias da pobreza extrema? 

Em última análise, existem várias causas que seria bom apoiarmos. Não posso reivindicar mais para as minhas do que estas estarem  entre as melhores disponíveis. 


Publicado originalmente por Peter Singer no Project Syndicate, a 7 de Setembro de 2021.

Tradução Rosa Costa e José Oliveira.


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