Por The Life You Can Save (The Guardian)

Temos a obrigação de ajudar (eficazmente)? (Arte digital: José Oliveira | Fotografias: Pixabay)
Uma criança foge da sua mãe numa rua movimentada e é atropelada por um carro. As imagens de videovigilância mostram 18 pessoas a passar, sem parar, pela menina ferida deitada na rua. Por fim, mais um carro a atropela e é tarde demais para a salvar.
Este incidente chocante aconteceu na realidade numa cidade na China, há alguns anos, e é um incidente que o filósofo e especialista em ética australiano, Peter Singer, considera eficaz para acordar as pessoas para a realidade da pobreza mundial.
“Podemos dizer às pessoas, então o que pensa acerca destas pessoas que desviaram o olhar e não fizeram nada para ajudar?”, diz ele. “E é óbvio que isso é verdadeiramente terrível, e houve uma grande indignação na China quando o vídeo foi exibido. Mas há um certo sentido em que também estamos a desviar o olhar, apesar das crianças a morrer estarem mais longe de nós. Eticamente, não tenho a certeza de que isso seja assim tão diferente”.
O livro de Singer de 2009 The Life You Can Save [Pt. A Vida Que Podemos Salvar; Br. Quanto Custa Salvar Uma Vida] – actualizado em 2019 e narrado em áudio por Stephen Fry e Kristen Bell – conduziu os leitores ao longo de um caminho filosófico repleto de estatísticas, analogias e desafios morais, até à conclusão incontornável de que a caridade não é uma escolha; é o nosso dever.
E com estatísticas a mostrar que 5 milhões de crianças no mundo nunca chegam ao seu quinto aniversário por razões maioritariamente evitáveis, o contraste neste momento da História é chocante. “Há cerca de 3,8 mil milhões [Br. 3,8 bilhões] de pessoas a viverem num nível de riqueza nunca antes conhecido, excepto nas cortes dos reis e dos nobres”, diz Singer. Apela à acção de todos, não apenas dos super-ricos, e à acção muito mais directa do que as escolhas éticas que fazem o consumidor sentir-se bem, como café e roupas do comércio justo.
“Isso de facto dá às pessoas uma sensação de que estão a tentar fazer do mundo um lugar melhor. Mas francamente, doar para as instituições de caridade mais eficazes, regra geral, irá atingir um bem muito maior do que apenas dizer: «Bem, vou reutilizar a minha chávena de café em vez de usar sempre uma descartável».”
Singer diz que a desculpa mais comum que ouve para as pessoas não doarem generosamente é “como é que eu sei que o dinheiro vai chegar às pessoas que precisam dele?”
É uma questão que se propôs a resolver através de uma organização que surgiu das ideias que inicialmente apresentou no livro. Os potenciais doadores podem agora ir ao site da The Life You Can Save e escolher entre uma série de instituições de caridade das mais eficazes.
Muitas das instituições de caridade apresentadas fazem mudanças aparentemente pequenas, mas com resultados globais impressionantes. O site faz a investigação e faz as contas para convencer os doadores de que o seu dinheiro está a produzir mudanças reais. Cerca de 70 dólares podem pagar em África uma cirurgia às cataratas que em 10 minutos salva a visão. Menos de 50 cêntimos [Br. 50 centavos] fornecem a uma pessoa num país em desenvolvimento acesso vitalício ao sal iodado, cuja carência pode pôr em risco a saúde mental das crianças e muitas vezes a sua sobrevivência.
“Doar a uma organização realmente eficaz acrescenta 20, ou 30, ou mesmo 50%, ao valor da sua doação”, diz Singer.
Outra razão comum para as pessoas não doarem – ou para evitarem o que Singer diz ser a sua responsabilidade moral – é a sensação da futilidade de se desperdiçar dinheiro num problema visto como insolúvel.
Afirma que é um equívoco pensar que a pobreza está a agravar-se e cita os números da UNICEF sobre um dos principais indicadores trágicos da pobreza mundial, a mortalidade infantil. Actualmente é de 5 milhões, uma estatística terrível, mas recuando a 2009 o número era de 8,1 milhões. “A probabilidade de qualquer criança nascida no mundo morrer antes de completar o seu quinto aniversário foi reduzida para [quase] metade nos últimos doze anos”, diz Singer. “Penso que isso é realmente impressionante”.
Singer defende que dar boas notícias às pessoas provavelmente inspira mais a generosidade. “Estamos a fazer progressos, podemos fazer progressos, e eventualmente ultrapassar todo este problema da pobreza extrema em massa que continua a existir no mundo”, diz ele.
Este mês, Singer recebeu o Prémio Berggruen de Filosofia de 2021, tornando-o o sexto vencedor deste prémio relativamente recente.
Singer irá seguir os seus próprios princípios e doar o prémio monetário de 1 milhão de dólares, sendo que metade deste dinheiro irá para a The Life You Can Save.
“A intenção do [filantropo] Nicolas Berggruen era reconhecer a filosofia como uma actividade importante que tem impacto no mundo”, diz Singer. “Por isso, sinto-me honrado em receber este prémio e vejo-o como um reconhecimento de que, o que tenho tentado fazer nos últimos 50 anos, tem tido algum sucesso, tem tido impacto no mundo. E tenho a certeza de que a filosofia muda de facto a vida das pessoas”.
Faça o download gratuito de uma cópia do livro de Peter Singer e faça uma doação dedutível de impostos [em certos países] para uma das instituições de caridade recomendadas pela The Life You Can Save antes do final deste ano fiscal.
Publicado originalmente pela The Life You Can Save no The Guardian, a 25 de Maio de 2022.
Tradução de Rosa Costa e José Oliveira.
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