Temos de ser muito claros: a fraude ao serviço do altruísmo eficaz é inaceitável  

Por Evan Hubinger (EA Forum)

Fraude ao serviço do altruísmo eficaz? (Arte digital: José Oliveira | Fotografia: Jamie Street)

Preocupo-me profundamente com o futuro da humanidade — mais do que me preocupo com qualquer outra coisa no mundo. E acredito que o Sam e outros na FTX partilhassem dessa preocupação com o mundo.

No entanto, se alguma pessoa hipotética tivesse vindo ter comigo há vários anos e perguntado “Será que vale a pena cometer fraudes para enviar milhares de milhões [Br. bilhões] de dólares para causas eficazes”, eu teria dito inequivocamente não.

Nesta fase, não é muito claro, apenas pela informação pública, exactamente o que aconteceu à FTX, e não quero acusar ninguém de algo que não tenha feito. No entanto, penso que começa a parecer cada vez mais provável que, mesmo que a manipulação por parte da FTX do dinheiro dos seus clientes não tenha sido tecnicamente fraudulenta do ponto de vista legal, parece provável que tenha sido fraudulenta na sua essência.

E independentemente de o negócio da FTX ter sido de facto fraudulento, é evidente que muitas pessoas — clientes e empregados — foram profundamente prejudicadas pelo colapso da FTX. As poupanças de vidas inteiras e as carreiras das pessoas foram arrasadas num ápice. Penso que a compaixão e o apoio a essas pessoas é muito importante. Além disso, penso que há outra coisa que nós, como comunidade, também temos a obrigação de fazer agora.

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Assumindo que os negócios da FTX eram de facto fraudulentos, penso que nós — pessoas que beneficiaram disso sem o saber e cujo trabalho para o mundo foi potencialmente utilizado para branquear esses negócios — temos a obrigação de os condenar em termos inequívocos. Isto é especialmente verdade para figuras públicas que apoiaram ou estiveram associadas à FTX ou aos seus empreendimentos.

Não pretendo uma caça às bruxas, acho que ninguém deve começar a puxar das forquilhas, e por isso parece-me que devemos aqui evitar concentrar-nos em qualquer pessoa individual. Provavelmente não saberemos durante muito tempo exactamente quem foi responsável pelo quê, nem penso que realmente isso importe — o que está feito, está feito, e o que é importante agora é deixar bem claro qual é a posição do AE em relação à actividade fraudulenta, não usando nenhuma pessoa individual como bode expiatório.

Neste momento, penso que a melhor linha de acção é — e refiro-me a todos nós, qualquer pessoa que tenha qualquer tipo de plataforma pública — deixarmos claro que não apoiamos a fraude feita ao serviço do altruísmo eficaz. Independentemente do que a FTX fez ou não fez, penso que esta é uma afirmação que deve ser clara e inequivocamente defensável e que devemos congratular-nos por apoiá-la, independentemente do que venha a acontecer. E penso que é uma afirmação importante que devemos fazer: os observadores externos estarão atentos para ver o que o AE tem a dizer sobre tudo isto, e penso que temos de ser muito claros de que a fraude não é algo que alguma vez apoiaremos.

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Nesse espírito, penso que vale a pena confrontarmos cuidadosamente esta questão moral: será que a fraude ao serviço da angariação de fundos para causas eficazes é errada? Penso que é, com toda a clareza — e isto vem de alguém que é um utilitarista do mais ferrenho possível.

Quando nós, enquanto seres humanos, consideramos se faz ou não sentido quebrar as regras em nosso próprio benefício, estamos a funcionar com o hardware corrompido: somos muito bons a justificar perante nós mesmos que confiscar dinheiro e poder em benefício próprio é realmente para o bem de todos. Se eu me encontrasse numa situação em que me parecesse que tomar o poder para mim próprio era bom em termos gerais, preocupar-me-ia que de facto estaria a enganar-me a mim mesmo — e ainda que tivesse a certeza de que não me estava a enganar a mim mesmo, continuaria a preocupar-me que estava a cair na maldição do unilateralista, caso isso não fosse muito claramente uma boa ideia também para os outros.

Além disso, caso esteja familiarizado com a teoria da decisão, saberá que assumir credivelmente um pré-compromisso de seguir certos princípios — tais como nunca cometer fraudes — é extremamente vantajoso, pois deixa claro aos outros agentes que se é um agente digno de confiança com o qual se pode contar. Na minha opinião, penso que tais estratégias de pré-compromissos credíveis são extremamente importantes para a cooperação e para a coordenação.

Para além disso, irei salientar que, se a FTX cometeu aqui uma fraude, é evidente que não foi, de facto, uma boa ideia neste caso: penso que as consequências duradouras para o AE — e os danos causados pela FTX a todos os seus clientes e empregados — provavelmente irão ultrapassar o financiamento altruísta já proporcionado pela FTX a causas eficazes.


Publicado originalmente por Evan Hubinger no EA Forum, a 10 de Novembro de 2022.


Traduzido por José Oliveira


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