Por José Oliveira
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Israel, Gaza, como ajudar? (Arte digital: José Oliveira | Fotografia: ali karimi)
“Eu sou muçulmano, hindu, cristão e judeu, assim como todos vós.”
Ao exprimir-se assim Gandhi poderia estar a pensar nas virtudes que aproximam cada uma destas religiões, mas podemos encontrar nessa humanidade comum algo ainda mais primordial do que qualquer religião: o amor por todas as crianças!
Afinal, o que é que interessa o facto de uma criança nascer num determinado contexto nacional ou religioso se, como aconteceu em 2021, esta puder ser uma das 5 milhões de crianças a enfrentar a morte? Pois, como a maior parte dessas crianças, caso escape da morte à nascença (não sendo um dos 1,9 milhões de nados-mortos), poderá ainda ter como maiores assassinos a malária, a diarreia e a pneumonia, não chegando sequer a ver o seu 5.º aniversário.
Se nesses casos a nossa negligência pode ser considerada grave, o que dizer no caso de mais um assassino de crianças: a guerra que agora começou em Israel e Gaza?
É com estes números da mortalidade infantil mundial que a Kelsey Piper (repórter da Vox) contrasta os recentes acontecimentos de Israel e Gaza. Confessa que, no primeiro caso, a dificuldade que tem em pensar constantemente nessas crianças (pois a cada 4,4 segundos morre uma no mundo), a levou a intervir programando uma doação mensal para uma instituição de caridade eficaz contra a malária. E depois tenta deixar de pensar em crianças mortas, pois é demasiado penoso. Mas no segundo caso, o facto de ter muitos amigos e colegas de trabalho em Israel, fez com que nesta última semana tenha sido impossível desviar o olhar das imensas imagens de partir o coração: crianças mortas e desaparecidas como resultado do brutal ataque levado a cabo pelo Hamas. As suas redes sociais, onde normalmente as fotografias de crianças são as dos filhos dos seus amigos a brincar no parque ou a ler um livro, neste preciso momento estão cheias de pedidos para que as crianças regressem a salvo ou de orações em sua memória por terem desaparecido para sempre. Kelsey confessa que se sente destroçada!
Mas também se sente destroçada pelas crianças que já morreram ou podem vir a morrer à medida que a violência pesa cada vez mais sobre Gaza. E também se sente destroçada pelo rude golpe que terá sofrido o nosso círculo de consideração moral, que deveria incluir TODOS. Isto porque muitas das respostas a esta tragédia parecem pressupor que, quando é o ódio ou o medo a guiar-nos, esse círculo moral já não deve preocupar-nos.
Onde deve parar o círculo moral?
O assassínio e o rapto de pessoas próximas, que traz à nossa porta os horrores do terrorismo e da guerra, torna muito mais difícil ter a clareza de espírito suficiente para adoptar uma perspectiva humanista mais alargada. Uma perspectiva que nos permita estender o nosso círculo moral e dar a mesma importância a todas as vidas humanas, independentemente do lado da fronteira em que se encontrem. E mais difícil ainda parece ser a consideração destes horrores da actualidade, dando o mesmo peso a TODAS as mortes sem sentido de crianças, sendo que a maior parte das quais fazem parte de uma tragédia diária silenciosa, cuja morte nem sequer é noticiada.
Paradoxalmente o exemplo de onde deve parar o nosso círculo moral vem do pai de uma jovem israelita raptada pelo Hamas, que Kelsey Piper cita: “Vamos fazer as pazes com os nossos vizinhos por todos os meios possíveis. Quero que a minha filha volte. Chega de guerras. O outro lado também tem prisioneiros, o outro lado também tem mães que estão a chorar. Somos dois povos com um só pai. Por causa de tudo isto, vamos fazer as pazes a sério”.
Quando muitos deitam a perder o frágil progresso que se tinha feito no sentido de estender a preocupação humanitária a todos, qualquer que seja a sua origem ou as posições assumidas pelo seu governo, alguém que pode ter perdido a sua filha para sempre exibe um sentido humanitário exemplar.
Infelizmente, relata Kelsey, de ambos os lados tem havido manifestações desconcertantes e horríveis, seja apoiando as atrocidades do Hamas, seja apoiando as atrocidades de Israel. Em seu entender, por mais errado que esteja quem exerce o poder de cada um dos lados (e afirma que deve ser dito claramente que ambos os lados estão a fazer um mal extremo), nada disso justifica o assassínio indiscriminado de pessoas inocentes no refúgio das suas casas. E sublinha que, à medida que as coisas pioram, é cada vez mais tentador desligar a nossa empatia e afirmar que certamente a outra parte o merecia.
Mas será que alguém o merecia?
Muito por culpa de como consumimos os meios de comunicação e as redes sociais, é aí que Kelsey identifica o padrão da forma como reagimos à tragédia actual:
- Ficamos a saber de cada vez mais coisas horríveis que nos deixam horrorizados e tristes;
- Ficamos cada vez mais furiosos;
- Radicalizamos a nossa opinião ao associarmo-nos às piores pessoas da Internet que desprezam a vida dos seus inimigos;
- Começamos a pensar nos inimigos como seres humanos inferiores;
- Deixamos que a humanidade que todos partilhamos e o nosso desejo do bem comum seja uma das vítimas de um acto de terrorismo.
Face a isto, a mensagem de esperança que Kelsey nos deixa, num mundo onde tantas crianças morrem sem qualquer sentido, é que em vez de desesperarmos agarrados à Internet, lamentemos o sucedido e façamos um donativo, pois de facto mudar as coisas para melhor está ao nosso alcance.
Essa mensagem de esperança parece então ser: perante actos de tal desumanidade, as boas acções serão a melhor forma de mantermos o nosso círculo moral em expansão.
“Breves do AE”: resumos de publicações relacionadas com o AE que, por constrangimentos de tempo, ou restrições de direitos autorais, não poderíamos traduzir. Estes resumos servem essencialmente como estímulo à leitura dos textos originais aqui referidos.
Por José Oliveira.
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