Como decidi o que dizer — e o que não dizer
Por Lewis Bollard (Newsletter do Bem-estar Animal da Open Philanthropy)

É com grande entusiasmo que partilho a minha palestra TED. Aqui, quero partilhar a história de como a palestra surgiu e quais foram as três decisões mais importantes com que me debati durante a sua preparação.
A história dos preparativos
No outono passado, publiquei no X sobre a nova secretária da Agricultura de Trump, Brooke Rollins, que prometia anular as proibições estatais à venda de carne de porcos criados em celas engradadas. Incluí uma imagem de um porco num cela.
Liv Boeree, uma campeã de póquer que já fez uma palestra TED, viu esta publicação e ficou impressionada. Contou-me que não conseguia deixar de pensar na imagem do porco enjaulado. Decidiu que, se ganhasse um prémio em dinheiro no seu próximo torneio de póquer, doaria 20% desse valor para ajudar os animais criados na pecuária industrial.
Ela ganhou 2,8 milhões de dólares. Não só doou 20% desse valor como também começou a publicar nas redes sociais para os seus muitos seguidores sobre a pecuária industrial e convidou-me para o seu podcast. Depois, convidou-me para fazer uma palestra TED (ela foi a curadora convidada na conferência deste ano).
Esta foi uma excelente oportunidade. Acho que o palco principal das conferências TED nunca teve uma palestra exclusivamente dedicada à criação intensiva de animais. (Mais tarde, o director das conferências TED, Chris Anderson, disse-me que lamentava que o tema não tivesse sido abordado até então.) Por isso, queria mesmo não estragar tudo.
Sabia o que queria transmitir: a urgência moral de enfrentarmos a pecuária industrial. No entanto, não sabia qual seria a melhor forma de o fazer. Em particular, debatia-me com três questões: como abordar uma atrocidade moral, qual seria a minha grande ideia e o que deveria pedir.

Como abordar uma atrocidade moral?
Talvez o maior desafio com que nos deparamos ao tentar levar as pessoas a reflectir sobre a pecuária industrial é que muitas delas não querem fazê-lo.
Cass Sunstein escreveu recentemente sobre este desafio: “Muitos animais não humanos estão a sofrer por este motivo: inúmeros seres humanos não querem saber que estes animais estão a sofrer e inúmeros seres humanos querem não saber que estes sofrem.”
Sunstein explica que algumas pessoas simplesmente “não querem saber”, não vendo qualquer benefício pessoal em aprender sobre o sofrimento animal. Outras vão mais longe e, activamente, “querem não saber”, temendo que isso as faça sentir-se tristes ou culpadas por comerem animais.
Tentei várias coisas para resolver o problema. Primeiro, contei a minha história pessoal. Expliquei como, quando era adolescente, me deparei com um mercado de animais vivos no Vietname, o que despertou a minha curiosidade sobre o tratamento dado aos animais um pouco por todo o lado. Esperava despertar curiosidade e empatia, em vez de uma atitude defensiva.
Em segundo lugar, tentei mostrar em vez de contar. O público reagiu com mais intensidade não por causa do que eu disse, mas sim devido às imagens que mostrei: uma cela de gestação, uma gaiola de bateria e um caixote do lixo cheio de pintainhos. Agradeço à Liv e ao Chris Anderson por me apoiarem para expor esta crueldade no palco TED, quando outros hesitavam.
Em terceiro lugar, expliquei que estamos todos do mesmo lado. Independentemente daquilo que comemos, quase todos nós condenamos estes abusos. Podemos também exigir que as nossas corporações e políticos ponham termo a estes abusos. Tentei invocar a nossa humanidade comum em vez das nossas dietas diferentes.

Qual é a grande ideia?
É suposto as palestras TED terem uma grande ideia, à qual chamam “fio condutor”. É já um estereótipo que esses fios condutores sejam contra-intuitivos (“A vulnerabilidade não é fraqueza — é força”) e exageradas (“Esta simples ideia vai mudar tudo…!”). Senti-me tentado a seguir o género, e o ChatGPT sugeriu algumas ideias úteis:
- Libertar galinhas enjauladas é apenas o primeiro passo para libertar a nossa consciência enjaulada.
- Ao pôr termo à pecuária industrial, podemos finalmente pôr termo ao pensamento industrial.
- Ao repensarmos a cela engradada dos porcos, podemos repensar a própria civilização.
A verdade, porém, é que não creio que erradicar os piores abusos da pecuária industrial vá acabar com os nossos outros problemas sociais. Penso que isso irá “apenas” acabar com o sofrimento de inúmeros animais.
Como podemos fazer com que as pessoas se preocupem com o sofrimento destes animais? A minha primeira ideia foi contar a história da nossa cadela, a Hope, que foi resgatada de uma quinta para produção de carne de cão. Mas receava que as pessoas apenas pensassem que não devíamos de facto produzir carne de cão.
De seguida, pensei em destacar aquilo que os animais da pecuária têm em comum connosco: os porcos conseguem jogar videojogos, as galinhas são capazes de sentir empatia e os peixes podem ficar deprimidos. No entanto, para mim, a questão nunca foi se podem raciocinar, mas sim se podem sofrer, e creio que actualmente poucas pessoas duvidam que eles possam.
Por isso concentrei-me no inverso: aquilo que faz com que a espécie humana seja única. E concentrei-me, em particular, num paradoxo: somos a única espécie que inflige tanto sofrimento a tantos outros animais — e a única espécie que protege tantos animais de crueldade. A nossa espécie é simultaneamente única na sua crueldade e na sua compaixão.
E, tanto quanto sabemos, somos a única espécie capaz de progresso moral — temos a capacidade de reflectir sobre as nossas normas morais e de as melhorar ao longo do tempo. Foi graças a esta capacidade que a humanidade alcançou os seus maiores triunfos morais: a abolição da escravatura, a diminuição das guerras e de tirar milhares de milhões de pessoas da pobreza. É também essa capacidade que nos permitirá pôr termo aos piores abusos da pecuária industrial.
Por isso, a minha ideia acabou por ser que a pecuária industrial é um teste à nossa humanidade. Eis então como terminei a palestra:
A humanidade acumulou riqueza e poder sem precedentes. Em breve, os avanços na IA irão tornar-nos ainda mais poderosos.
E aí enfrentaremos uma escolha… um teste à nossa humanidade. Iremos usar esse poder para criar cada vez mais animais na pecuária industrial?
Ou iremos usá-lo para acabar com esta crueldade?
Os seres humanos também são animais. O que nos distingue das galinhas e dos porcos é a nossa capacidade de progredir moralmente.
Devíamos usar essa capacidade.

Hope, resgatada da pecuária para produção de carne de cão, quase representou todos os animais da pecuária na minha palestra TED. Mas estava demasiado ocupada a aconchegar-se para poder defender a sua causa.
O que pedir?
O que mais me custou foi a parte do “pedir”. Vários elementos da audiência disseram-me, posteriormente, que eu tinha deixado escapar o óbvio — embora não tivessem chegado a acordo sobre se isso seria pedir às pessoas que comessem apenas carne proveniente de animais criados em pastagens ou que se tornassem veganas.
Compreendo ambas as opções como soluções pessoais. Tentei comer apenas produtos de origem animal provenientes de pastagens durante cinco anos e não consumo produtos de origem animal há 20 anos.
Mas, como soluções para toda a sociedade, acho que ambas falharam em grande parte. Isso não é culpa dos seus defensores. Quase todos os esforços de boicote permanente por parte dos consumidores — seja de diamantes de sangue, de roupas produzidas em sweatshops ou de óleo de palma — tiveram um destino semelhante.
Em vez disso, queria envolver o público enquanto cidadãos e não apenas enquanto consumidores. Eis o que acabei por dizer:
Então, o que podemos fazer para ajudar? Podemos defender, doar ou até dedicar a nossa carreira a esta causa.
Mas se fizer apenas uma coisa, peço-lhe isto: fale sobre a pecuária industrial
Diga às empresas das quais compra produtos, aos políticos em quem vota, que espera que estes adoptem políticas básicas e de senso comum para acabar com as piores práticas. E que conte a toda a gente aquilo que aprendeu sobre a pecuária industrial.
Quanto aos “pedidos” relacionados com a defesa da causa e doações, pensei nas maiores alavancas de mudança que vimos até hoje. Quanto ao “pedido” relacionado com “falar sobre”, pensei noutro artigo recente de Cass Sunstein, no qual ele escreveu:
A questão é a seguinte: muitos seres humanos pensam que não é possível justificar moralmente o tratamento actual dos animais não humanos. […]
No entanto, calam-se, pois receiam que algumas outras pessoas, ou muitas outras pessoas, as ridicularizem, menosprezem, vejam como fanáticas, que as excluam ou que simplesmente as considerem como parte de um grupo de pessoas tolas, sentimentalistas ou radicais.
[…] Isto é um problema, mas também uma excelente oportunidade.
Quando as pessoas acreditam que algo não está certo, ou que está errado, mas permanecem em silêncio, tudo o que precisam é de uma luz verde ou de uma autorização. Assim que começam a ter luz verde, as coisas podem mudar, possivelmente de forma rápida. Vemos efeitos em cascata, em que pequenas gotas se transformam em enchentes.
Espero que esta palestra possa ser um pequeno passo para dar luz verde, permitindo que as pessoas falem mais sobre os piores abusos na pecuária industrial — e sobre a necessidade de acabar com eles. Se estiver de acordo, espero que considere partilhar a minha palestra.
Publicado originalmente por Lewis Bollard na Newsletter do Bem-estar Animal da Open Philanthropy, a 5 de Setembro de 2025.
Tradução de Rosa Costa e José Oliveira🔸.
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