Por Lewis Bollard (Open Philanthropy)
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Animais da pecuária, o que mudou em 10 anos (Arte digital: José Oliveira | Foto: Jo-Anne McArthur/ Unsplash)
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O progresso para os animais da pecuária tem sido demasiado lento. Em 1822, a Grã-Bretanha aprovou a primeira lei nacional de protecção dos animais da pecuária. Dois séculos mais tarde, à maioria dos países — incluindo a China e os Estados Unidos — ainda lhes falta uma lei desse tipo. Em 1975, Peter Singer publicou a “Libertação Animal”. Meio século mais tarde, cerca de dez vezes mais animais são criados na pecuária industrial, todos os anos.
Mas na última década, os defensores dos animais alcançaram progressos sem precedentes para os animais da pecuária. Nesta época festiva, quero dar um passo atrás e reflectir sobre tudo o que alcançámos — e muito disso foi alcançado pelos leitores desta newsletter — para começarmos a reverter a situação dos animais da pecuária.
Mudança nas corporações
Há uma década, a quase totalidade das maiores corporações alimentares do mundo não dispunham sequer de uma política básica de bem-estar dos animais da pecuária. Hoje em dia, quase todas elas já têm uma. Isso deve-se aos defensores dos animais, que alcançaram cerca de 3000 novas políticas empresariais nos últimos dez anos.
Considere as gaiolas em bateria. Cerca de sete mil milhões [BR. sete bilhões] de aves, ou aproximadamente uma por cada ser humano no planeta, estão atafulhadas dentro de contentores do tamanho de microondas. Há uma década, a Europa tinha acabado de mudar para gaiolas ligeiramente maiores e melhoradas, e os defensores dos animais dos EUA estavam a exercer pressão para uma reforma semelhante. Abolir completamente as gaiolas parecia impossível.
Isso mudou de 2015 a 2018, à medida que os defensores dos animais asseguraram compromissos livres de gaiolas de quase todos os maiores retalhistas americanos e europeus, cadeias de fast food e empresas de serviços alimentares. Os defensores dos animais alargaram então este trabalho à escala global, assegurando grandes compromissos do Brasil à Tailândia. Mais recentemente, os defensores dos animais conseguiram os primeiros compromissos mundiais livres de gaiolas de 150 multinacionais, incluindo as maiores cadeias de hotéis e produtores alimentares do mundo.
Uma questão fundamental era saber se essas empresas iriam cumprir os seus compromissos. Até agora, quase 1000 empresas têm cumprido — ou seja, 88% das empresas comprometeram-se a tornar-se livres de gaiolas até ao final do ano passado. Outras 75% das maiores empresas alimentares do mundo estão agora a reportar publicamente os seus progressos para se tornarem livres de gaiolas.
É claro que algumas empresas irão continuar a não cumprir os seus compromissos. Mas mais 165 milhões de galinhas já estão hoje livres de gaiolas na Europa e nos EUA do que há uma década, e os defensores dos animais estão no bom caminho para ajudar mais de 300 milhões só por conseguirem que as empresas cumpram as suas políticas actuais.
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Eis uma medida do progresso das empresas: em 2012, a Business Benchmark for Farm Animal Welfare só conseguiu encontrar nove empresas que cumpriam os seus padrões, nessa altura eram padrões bastante brandos, para os três níveis superiores. Actualmente, 47 empresas cumprem os seus padrões, agora mais rigorosos. (O decréscimo em números de 2020 a 2021 reflecte o reforço das normas) Fonte: BBFAW. |
Aceleração das proteínas alternativas
Em 2012, as proteínas alternativas eram realmente “alternativas”. Nenhuma grande empresa de carne estava a fazer carne à base de plantas, nenhuma grande cadeia de fast food dos EUA estava a servi-la, a carne cultivada ainda não tinha sequer sido cultivada, a Beyond Meat [Para além da Carne] ainda não tinha ido para além da Whole Foods [Alimentos integrais], e os hambúrgueres Impossible ainda não eram possíveis.
Hoje em dia, as maiores empresas de carne do mundo — desde a JBS do Brasil à Tyson Foods da América — têm, na sua maioria, as suas próprias marcas de carne à base de plantas. O maior produtor alemão de carne disse este ano que metade da sua futura gama de produtos será feita sem carne. Uma das maiores empresas mundiais de produtos do mar, a Thai Union, até lançou produtos do mar à base de plantas.
As maiores cadeias mundiais de fast-food têm agora, na sua maioria, uma opção à base de plantas — com uma notável McExcpectativa. A Yum Brands, proprietária do KFC e da Pizza Hut, classifica os alimentos à base de plantas como “parte de um movimento global que influencia os menus em todos os nossos restaurantes”. O Burger King está a vender “whoppers” à base de plantas na maior parte dos seus estabelecimentos a nível mundial; na Bélgica, representam agora um em cada três “whoppers” vendidos.
Mesmo depois de um mau ano, as vendas de carne à base de plantas são mais do dobro do que há cinco anos. As startups de proteínas alternativas aumentaram “apenas” 2,2 mil milhões [BR. 2,2 bilhões] de dólares até agora, neste ano, contra os colossais 5 mil milhões [BR. 5 bilhões] de dólares do ano passado, mas ainda assim cerca de 2,2 mil milhões [BR. 2,2 bilhões] de dólares a mais do que aumentaram em 2012. A nível mundial, mais de 1000 empresas deste tipo estão agora a competir para colocar novos produtos no mercado, incluindo mais de 200 na Ásia.
Os americanos poderão em breve juntar-se aos habitantes de Singapura na degustação de carne cultivada, graças a uma autorização recente da FDA. E os governos estão finalmente a investir o capital paciente necessário a longo prazo para resolver as principais barreiras técnicas que subsistem face à escalabilidade. Mais recentemente, os Países Baixos atribuíram um montante recorde de 60 milhões de euros a este sector.
De facto, as proteínas alternativas parecem estar em crescimento até mesmo nos maiores governos do mundo. O Presidente da China Xi mencionou isso este ano, tal como o menciona o novo plano de 5 anos de Bioeconomia da China. A Casa Branca dos EUA fez as suas primeiras declarações de apoio. E os novos planos estratégicos da Política Agrícola Comum dos estados membros da UE fizeram referências frequentes sobre o mesmo assunto.
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O dinheiro por vezes cai do céu (ou pelo menos das plantas): o investimento em proteínas alternativas aumentou cerca de 50 vezes durante a última década. Fonte: Good Food Institute. |
Expansão do Círculo Moral
Em 2012, as poucas leis e políticas empresariais do mundo sobre o bem-estar dos animais da pecuária, na sua maioria, abrangiam apenas os mamíferos. Normalmente ficávamos com pele de galinha só de pensar em enfrentar a situação das cerca de 30 mil milhões [BR. 30 bilhões] de aves, ou dos cerca de 75 mil milhões [BR. 75 bilhões] de peixes, na pecuária industrial. E faltava-nos a todos a espinha dorsal para falar sobre a situação das centenas de milhares de milhões [BR. centenas de bilhões] de invertebrados aquáticos.
Desde então, quase todas as novas leis e políticas empresariais sobre o bem-estar dos animais da pecuária a nível mundial têm-se concentrado nas galinhas. Sete estados americanos, liderados pela Califórnia e Massachusetts, proibiram as gaiolas em bateria e a venda de ovos de gaiolas. A Áustria, a França e a Alemanha proibiram o abate da maioria dos pintainhos acabados de nascer — as três leis entraram em vigor este ano. Recentemente, a Comissão Europeia prometeu seguir o exemplo em toda a Europa — e proibir as gaiolas e elevar os padrões para as galinhas criadas pela sua carne.
O bem-estar dos peixes também está finalmente a emergir. Os retalhistas britânicos e alemães adoptaram as suas primeiras políticas de bem-estar dos peixes, tal como os maiores sistemas mundiais de certificação de sustentabilidade dos peixes. O Canadá, a Holanda, a Noruega e a Espanha adoptaram as primeiras directrizes nacionais sobre o bem-estar dos peixes. E a UE poderá em breve exigir que, no bloco europeu, todos os peixes da aquacultura sejam atordoados antes do abate — uma pequena misericórdia ainda negada a quase todos os peixes do mundo.
A opinião popular concorda. Um inquérito de 2018 a 9000 europeus concluiu que 79% pensam que o bem-estar dos peixes deve ser protegido tanto como o bem-estar dos outros animais da pecuária. Um novo inquérito revelou que 60 a 95% das pessoas inquiridas em 14 grandes países, incluindo a China, a Índia e os EUA, acreditam que as galinhas e os peixes podem sentir dor e emoções.
Até os caranguejos estão a rastejar até às luzes da ribalta. O maior produtor mundial de camarão, CP Foods, parou de cortar as órbitas das fêmeas reprodutoras. E este ano, o Reino Unido promulgou uma lei de senciência animal que, pela primeira vez, reconheceu os caranguejos, os polvos e as lagostas como seres sencientes.
O movimento para ajudar os animais da pecuária também se tornou verdadeiramente global. Há uma década, quase toda a defesa dos animais estava concentrada na Europa e nos EUA. Hoje, mais de 200 grupos defendem os animais da pecuária em mais de 100 países, representando mais de 90% dos animais da pecuária do mundo.
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Nenhum destes progressos era inevitável. Foi sobretudo o resultado de uma defesa dos animais contínua e empenhada, muita da qual foi realizada e financiada por todos vocês. Nesta época festiva, espero que aproveitem para festejar o progresso que ajudaram a alcançar. E, se puderem, espero que se comprometam a dedicar o vosso tempo ou dinheiro para acelerar esse progresso em 2023. Ainda temos um longo caminho a percorrer. Mas vocês fazem com que eu esteja optimista de que chegaremos lá — e sinto-me grato por tudo aquilo que vocês fazem pelos animais. Boas festas!
Publicado originalmente por Lewis Bollard na Open Philanthropy Farm Animal Welfare Research Newsletter, a 22 de Dezembro de 2022.
Tradução de Rosa Costa e José Oliveira.
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